quarta-feira, 8 de agosto de 2012

NÃO foi no GRITO - 045



A HISTÓRIA do GRITO.

Para entender a gênese e a história da construção do quadro e pintura “O GRITO do IPIRANGA”, e o seu contexto, é necessário entender o final do Império Brasileiro e sua passagem para o regime republicano, a partir de São Paulo.

Fig.01 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  - Grito do IPIRANGA -1888 - óleo 415 x 760 cm -  Museu Ipiranga São Paulo

O tema do “GRITO do IPIRANGA” ganhou a sua dimensão nacional inconteste, graças à liderança e pela potência emergente da Província de São Paulo ao final do regime imperial brasileiro. A potência e a liderança nacional, estavam sendo disputadas ativamente por duas concepções políticas e sociais antagônicas no âmbito desta Província Imperial. As lideranças, das duas concepções antagônicas, estavam lastreadas em solidas bases econômicas. Os Barões do Café do Vale do Paraíba estavam numa base. Eles sustentavam regime imperial com seus títulos e que recebiam evidentemente os afagos deste regime. Noutro base, o mesmo café criava fortunas no interior do estado onde ele chegava na época, inclusive nas profundezas da mesma província, em rápida expansão em novas fronteiras agrícolas. A expansão do café, em novas fronteiras agrícolas, estava nas mãos de proprietários sem títulos imperiais e com um projeto republicano muito bem definido para a conquista do poder. Estes novos ricos não gozavam os afagos do regime imperial. O seu projeto de hegemonia era amparado por um paradigma integro e integral no qual o regime imperial deveria ser sumariamente eliminado e esquecido. O poder nacional era único e indivisível.

02 - A CONVENÇÃO de ITU, em 1873,  realizada por proprietários do interior paulista e sem títulos imperiais e com um projeto republicano muito bem definido para a conquista do poder

Ambos os lados não entraram em confrontos diretos e abertos uns contra os outros. Os que defendiam e dependiam do regime imperial preferiram as armas culturais, simbólicas e estéticas para mostrar a sua superioridade. Os republicanos  concentraram-se na ação política através do GRÊMIOS REPUBLICANOS que se multiplicaram em todos os recantos inclusive na capital do Província como na faculdade de Direto do Largo de São Francisco.

03 - FIGUEIREDO Aurélio 1854-1916  - Último Baile do Imperio na Ilha Fiscal-1889  pintura de 1905 – Pinacoteca do Estado do Amazonas
Evidente que esta mensagem foi captada e entendida pelos Barões do Café. Trataram de garantir e prolongar, o mais possível, o regime imperial que os afagava. Nada melhor do que buscar, no interior desta província, índices da constituição e manutenção deste regime. Certamente os testemunhos diretos do evento ocorrido, no dia 07 de setembro de 1822, à margens do Riacho Ipiranga, não existiam mais e como também não deixaram uma documentação abundante e inquestionável. Tanto melhor. O mito podia ser criado e fantasia historicista correr solta que interessava para os defensores e beneficiários de regime imperial. Pensaram em um museu e obras de arte que tornaria carne e sangue do regime politico cujo projeto desejam materializar e defender. Agiram ao melhor estilo do Imperador Napoleão I, seguiram os passos da Missão Artística Francesa no Brasil e a tipologia da Villa Médici. Nada melhor do que um pintor brasileiro Pedro Américo, radicado em Florença e do arquiteto Italiano Tomaso Gaudenzio BEZZI. Este apresentou um projeto em 1882 e que ganhou forma definitiva no ano seguinte, enquanto foi hospede do Barão do Rio Branco.


04 – Museu do Ipiranga  projeto definitivo em 1884 por  Tomaso Gaudenzio BEZZI e construído por Luigi PUCCI recebeu a pintura do Grito do Ipiranga concluído em 1888 por Pedro Américo

Se de um lado o GRITO do IPIRANGA não foi o ato mais importante dos diversos processos da construção da soberania brasileira, do outro ele deu imagem e consistência narrativa popular para a unidade nacional.   No processo da conquista da soberania nacional o GRITO do IPIRANGA foi pouco determinante. Esta soberania foi construída num longo e penoso trabalho desenvolvido em muitos outros momentos. As decepções, contratempos de um governo colonial obsoleto e concentrador.

O papel da Província de São Paulo foi predominante ao gerar o interesse na construção e na manutenção de uma versão da História a partir do ponto de vista paulistano. Tanto a História Paulista como a europeia impõe uma lógica civilizatória. Na Europa o naufrágio do governo de Napoleão III, diante do fracasso das armas germânicas de Bismark e da Comuna de Paris, abriu espaço para o retorno do regime da Republica na França. Esta mesma França demorou um século para deliberar e decidir que a “Tomada da Bastilha”  era o instante simbólico -  entre milhares de outros eventos - da sua Grande Revolução. Assim, quando nenhum testemunho estivesse vivo, os franceses escolheram o “14 de julho” como festa nacional,  no dia 06 de julho de 1880, e quando também fixaram, e adotaram, a divisa "Liberté, Égalité, Fraternité" como oficial. Uma série de países sul-americanos, nesta mesma década, fixou e passou a celebrar eventos, erguer monumentos e realizar quadros históricos  em relação á a conquista da sua soberania. Evidente que elas correspondem e podem ser acompanhadas por uma onda de historicismo arquitetônicos, do mobiliário e moda no que foi conhecido com “espirito de fim do século” XIX, no interior do qual buscavam eventos para exibir amostras desta mentalidade.



05 - A pintura do Grito do Ipiranga, concluída em 1888, por Pedro Américo, exposta á visitação publica no Museu do Ipiranga.


Nada mais justo que a província de São Paulo - que mantinha um fluxo constante com a cultura europeia - seguisse este espírito e com ele dialogasse de uma forma contínua e consistente. O quadro O GRITO do IPIRANGA de Pedro Américo pode ser uma destas manifestações desta tendência.



Na Europa, a “Belle Epoque”, o espirito do fim do século e início do novo silenciaram com os canhões e as misérias das trincheiras de 1914. Enquanto isto, o estado de São Paulo levou a sua hegemonia política até 1929, graças ao café. O final desta hegemonia sobreveio com a Quebra de Bolsa de Nova Iorque, a Revolução de 1930 e se tornou definitivo em 1932. Ao canalizarem as energias da Revolta Constitucionalista de 1932 para a Universidade de São Paulo (USP), tiveram o amparo simbólico, cultural e financeiro para continuar, inclusive,  manter e administrar o Museu do Ipiranga.


Fig.06 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  PAZ e CONCORDIA 1895 - esboço Pinacoteca de São Paulo

Evidente que a USP tinha profundas raízes culturais, jurídicas e simbólicas republicanas na gloriosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Local de formação jurídica dos líderes republicanos sul-rio-grandenses.

O exemplo mais contundente veio do pintor do quadro que assumiu, não só a postura republicana, mas tornou-se constituinte do novo regime como representante do Estado da Paraíba. Porém manteve-se distante da doutrina positivista que ele já havia contornado na sua tese[1] do doutorado, defendida em 1867, num reduto positivista da Universidade Livre de Bruxelas.


[1] MELO Pedro Américo de Figueiredo A Ciência e os sistemas : questões de história e de filosofia natural. João Pessoa : Editora Universitária, 2001, 143 p



Fig.07 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  - PAZ e CONCORDIA – 1902  - óleo  300 x 431 cm - Itamaraty RJ

A história do quadro GRITO do IPIRANGA  está intimamente associada à história da Província de São Paulo. No contexto desta Província as duas coerentes antagônicas se complementam e constroem símbolos nacionais que transcendem o final do Império Brasileiro e são consagrados ao longo da passagem para o regime republicano. O quadro “GRITO do IPIRANGA, carrega o máximo de conteúdo  no mínimo de sua construção material, como é da natureza de toda autêntica obra de arte. Este máximo inclui o universo simbólico do seu contexto do final do Império Brasileiro e sua passagem para o regime republicano brasileiro a partir de São Paulo.



Fig.08 - MELLO Pedro Américo de Figueiredo 1943-1905  - PAZ e CONCORDIA – 1902  - óleo  detalhe – Palácio  Itamaraty -  RJ

O gigantesco universo simbólico, das duas concepções antagônicas e dos quais se perderam os ecos, legou à cultura brasileira um dos sentidos fundamentais da soberania brasileira. Quando o regime republicano paulista conquistou o poder estadual, fomentou o mito do bandeirante como um ente integrador do Brasil profundo. Os seus agentes estavam projetando  a sua recente conquista do solo do interior paulistano. Ao mesmo tempo evidenciavam as economias acumuladas com o café. A potencialidade deste investimento de capitais paulistas no imenso território nacional tinha como objetivo primeiro os retornos financeiros garantidos e multiplicados. Para este objetivo funcionaram a contento, tanto o mito do “GRITO”, como o do “BANDEIRANTE”,  e com frutos para além do aguardado tanto para São Paulo como para o Brasil.



Fig.08 - ALMEIDA JUNIOR, José Ferraz de (1850-1899) Partida da Monção- 1897  - estudo óleo 74 x 119 cm - Pinacoteca de São Paulo – uma das imagens do Mito do Bandeirante criado no início do regime republicano por um pintor proveniente do interior do estado e que expressa o projeto de uma nova elite paulista e sem títulos nobiliárquicos.

  
FONTES BIBLIOGRÀFICAS

ABREU, Regina. A fabricação do Imortal: Memória, História e Estratégias de consagração no Brasil.  Rio de Janeiro  :  Rocco, 1996. 235p



BARATA, Mário «Século XIX: transição e início do século XX» in ZANINI, Walter.   História geral  da arte no Brasil.   São Paulo   :  W.M. Salles, 1983.  pp.377-451.



CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da República. São  Paulo: Companhia das Letras. 1990. 

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. v.1 Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 2003.

CHAVES de MELO. Gladston. Origem, formação e aspectos da cultura brasileira.  Rio de Janeiro : Padrão , 1974.  277p.



CUNHA, Luiz Antônio,  Universidade temporã : o ensino superior da Colônia à Era          Vargas. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira. 1980, 295p.



MELO , Pedro Américo de Figueiredo (1843-1905)  A Ciência e os sistemas : questões de história e de filosofia natural. João Pessoa : Editora Universitária, 2001, 143 p



SOUZA NEVES, Carlos de.  Ensino superior no Brasil.   Rio de Janeiro : MEC-INEP    4v. 1969.



SOUZA CAMPOS, Ernesto. Educação Superior no Brasil: esboço de um quadro   histórico de 1549-1939. Rio de Janeiro: Ministério de Educação, 1940. 611p.

____.   História da Universidade de São Paulo. São Paulo : USP, 1954. 582p

WRIGHT MILLS C. A elite do poder. 3.ed.  Rio  de Janeiro : ZAHAR, 1975.  421p.



FONTES NUMÈRICAS DIGITÀIS

BARÔES do CAFÉ



BARÕES do IMPÉRIO




PRP





PROJETO de Tomaso Gaudenzio BEZZI e obra de Luigi PUCCI


USP – Faculdade de Direito




PEDRO AMÉRICO




Repercussões do quadro “Batalha do Avahi” de Pedro Américo


O GRITO




O mito do bandeirante


Paulo Setúbal




A III REPÚBLICA na FRANÇA




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