segunda-feira, 8 de outubro de 2012

NÃO FOI no GRITO - 052

COLONIALISMO e
 GUERRAS ESTÉTICAS.


ZÚÑIGA Francisco 1912-1998 p. 119- Diálogo 1979 -Bronze 114 x 185 x 103 cm
Fig. 01 O diálogo só é possível e frutífero entre os que se julgam e são iguais de fato e de direito. O europeu - mesmo que queira manter-se em igualdade,- revela logo o seu multissecular sentimento e agir de superioridade que brotam do seu inconsciente . Sentimento  que redunda no seu agir por meio do ferro e do fogo, e intimidações do seu interlocutor por humilhações, suor e lágrimas. Agir superior   tanto para os   ameríndios como para as demais culturas,  como a africana e asiática..

“Conservai, Cidadãos, estes nobres sentimentos, e os nossos inimigos desappareceraõ á vista de vossas irritadas faces. Permanecei tranquillos ; voltai para o seio de vossas familias, e confiai na justiça do Governo, e na rectidaõ e zelo de vossos magistrados”. Buenos-Ayres, 4 de Julho, 1812
Correio Braziliense, nº 53, outubro de 1812, p. 671.

A frase acima é uma dentre as numerosas expressões do sentimento que animava o surgimento da soberania política latino-americana, após o final do regime colonial legal.  Contudo este sentimento era apenas um frágil ideal, um botão a desabrochar e que poderia retornar ao chão do despotismo ilustrado. As novas sementes necessitavam constituir um SER nacional aptas para o seu desenvolvimento pleno. Estava longe a realidade dos frutos.  Este novo ENTE necessitava não só de proteção e segurança. Não se tratava de desabrochar em sua plenitude e frutificar. Tratava-se, além disto, de uma linhagem nova com a sua reprodução soberana, sem um tempo definido por deliberações e decisões alheias a este ENTE nacional.


Fig. 02  As sucessivas  gerações da cultura ameríndia transmite à próxima a continuidade do sentimento de segurança e pertencimento ao coletivo  Sentimento de segurança e pertencimento decorrem de outra matriz do que a europeias.. Esta cultiva o romântico sentimento que emerge das paixões e se manifesta em emoções. Emoções que se transformam em presentinhos pontuais oportunistas e como descarga do complexo de culpa. Presentinhos que decorrem, por sua vez, da indústria, do comércio e do capitalismo.

O ENTE no SER. O ENTE colonial buscava índices para manifestar-se, tornar sensível o seu modo de SER e  perceptível aos sentidos humanos. A Arte é este modo do SER perceptível. Arte oferecida aos SENTIDOS HUMANOS que depende, na sua produção, circulação e consumo. Evidente o que não pode ser dito deve ser calado” no 7º aforismo da Wittgenstein. 


FIGURA encontrada nas ESCAVAÇÔES da PIRÂMIDE e TUMULO do SENHOR de SIPÁN - O pintor – Origem Geographic Magazine
Fig. 03  Os elevados índices civilizatórios da América pré-europeia foram alcançados nos lugares geográficos mais inóspitos e de difícil adaptação humana. Ao exemplo do vale do Rio Nilo, na África produziu elevadas culturas e em âmbito tropical.  Estes desafios físicos geográficos desfavoráveis tencionaram e motivaram o surgimento de artistas nestes locais. Eles trataram de gerar índices nos quais materializavam uma identidade própria coerente, com suas culturas e circunstâncias. As suas obras permaneceram e plasmaram ativamente índices físicos destinados ao seu próprio tempo e para as gerações futuras. A primeira campanha, a parte do europeu, foi não só de desqualificar estas obras como proibi-las, queimá-las. Os europeus, para garantir a permanência, nestes mesmos lugares, a sua conquista pelas armas, fogo e sangue, implantaram as primeiras universidades na América.

Existem ideologias, religiões e regimes políticos e administrativos que tentam esconjurar o mais possível estas manifestações de Arte. Ou o contrário estabelecem uma ortodoxia e tudo o que não é coerente com esta ortodoxia deve ser silenciado, desqualificado se emergir, ou então combatido como perigosa heresia.
As “revoltas que vem do nada” para a percepção daqueles que estão no poder sem estarem preparados para tanto. Para quem percebe a verdade do PODER ORIGINÁRIO é contundente que estas revoltas possuem causas  profundas. Estas revoltas poderiam serem detectadas na sua origem. Quem exerce o poder central serem contornadas e evitadas de uma forma criativa por meio da implementação e sustentação de projetos civilizatórios compensadores do exercício de algum. 


ZÚÑIGA Francisco 1912-1998 p. 69- Nu reclinado - 1970 -Bronze 57 x 95.5 x 73 cm
Fig. 04 -  O  escultor  Francisco Zúñiga evoca, nesta escultura, a íntima relação entre a figura feminina e a fertilidade da Terra. A fertilidade feminina foi representada em figuras e estátuas. Ishtar suméria babilônica, Isis egípcia e a Astarté fenícia precederam as representação da Vênus europeia. As indígenas amazônicas, criavam, transportavam e davam de presente, as suas Muiraquitãs, aos seus guerreiros amados muito antes do romantismo europeu transformar estas femininas em emoção, em indústria cultural e em comércio monetrarizado. Numa leitura iconológica seria possível escrever em relação à submissão colonial que esta figura frustrada e prostrada rente ao chão  pode sugerir ao observador mais atento.  .

Nos primórdios da sua soberania nacional  os governos dos povos e das culturas latino-americanas,  apenas trocaram o Barroco da Contra Reforma pela estética Neoclássica que fizera a grandeza da corte imperial napoleônica. Trocava-se o seis pela meia dúzia. Nas Américas a heteronímia estética continuava e acompanhava as oscilações de superfície das diversas tendências estéticas europeias.  As Américas as recebiam as diversas tendências estéticas europeias, se aculturavam  ao novo modo de sentir e se expressar, mas sempre defasadas e que aportavam ao Novo Mundo  já consumidas pelo antigo colonizador europeu. Na sua origem as Artes europeias expressaram as movimentações, as diversas crises e as rupturas da lógica capitalista. Expressões sensíveis e exportadas em determinadas tendências estéticas dominantes, que sucedem em períodos de vigência cada vez mais curtos e de obsolescência cada vez mais intensa e rápida. 


FIGURA encontrada nas ESCAVAÇÔES da PIRÂMIDE e TUMULO do SENHOR de SIPÁN - O macaco –  Origem Geographic Magazine
Fig. 05 As atuais culturas ameríndias possuem como prêmio concreto da sua resistência possibilidade da sobrevivência a fase da cultura europeia nas sucessivas e agudas crises e, no extremo, entrem em colapso definitivo. Este prêmio resulta dos diálogos frutíferos que mantiveram com a Natureza e na qual interferia o mínimo possível. Nesta interferência não faz sentido a metáfora consumista de um ”Planeta de Macacos”, após o final da própria espécie humana. Os ameríndios  souberam e puderem deliberar e decidir equilibradamente em íntima coerência entre todas as formas da vida e a sua mentalidade conservacionista. Não perseguiam ou matava A obra de Arte acima não só constituem em índice isolado desta resistência e coerência, mas ela e uma expressas concreta e, material, entre as milhares de outras, que materializam este  forte projeto de resistência, de permanência e de reprodução, das diversas culturas ameríndias

Esta obsolescência programada - intensa e dialética - mantém vivo o Capitalismo. A estética - comandada pela obsolescência programada -  defende estes períodos curtos e dialéticos que derivam do conceito semiótico de um sistema industrial em rápida migração para o pós-industrial. Todo sistema possui o ingresso de insumos. A etapa seguinte é a elaboração destes insumos. O processo se conclui pelo consumo e pela sua obsolescência para ser substituído posteriormente pelo recomeço do um novo processo. Certamente haverá uma lógica e coerência com um SISTEMA de ARTES. Numerosas obras de arte, artistas  e observadores (consumidores) enquadram-se, como uma luva, nesta lógica da indústria  cultural. Eles  podem ser inscritos e identificados como elementos pertencentes a um sistema de artes da estética capitalista. No entanto - nestas condições e circunstâncias,  Arte estaria em mais uma ideologia da lógica positivista. Lógica positivista da qual o pintor Pedro Américo já andava desconfiado e argumentava contra, em 1867,  na sua tese de doutorado em Filosofia e com o tema “Sistemas das Ciências”. 
FIGURA encontrada nas ESCAVAÇÔES da PIRÂMIDE e TUMULO do SENHOR de SIPÁN – Moldes  – Origem Geographic Magazine
Fig. 06  - A questão do múltiplo e a sua fabricação em série não serranas às culturas mais elevadas da  América pré-europeia; Assim a fabricação de peças cerâmicas em moldes permitiam a disseminação de uma cultura anterior aos incas no Peru atual.

Em todos os períodos na História humana houve sistemas de arte, mais ou menos elaborados, longos e com volumes diferenciados entre si. Assim o Maneirismo, o Helenismo ou a Arte Egípcia geraram sistemas nos quais os paradigmas de período anteriores colonizaram e  se reproduziram. Constitui o raso fazer pelo fazer, a reprodução da técnica e na qual não existe algo novo ou original. Assim o estudante ainda não faz Arte. Na heteronímia do seu mestre ainda não atingiu um grau de autonomia pelo qual pode deliberar e decidir em relação à sua obra. Assim são recorrentes a micro colonização do indivíduo ou a macro colonização de regiões até continentes. 
ZÚÑIGA Francisco 1912-1998 p..103- Amantes - 1976-77 -Mármore vermelho mexinao 36 x 67x 33 cm
Fig. 07 -  O  escultor   Francisco Zúñiga evoca o amor humano por meio da transfiguração da pedra. As camadas geológicas do mármore vermelho mexicano são usadas como metáforas do entrelaçamento humano comandado pelo amor carnal e emocional. Em toda manifestação da autêntica obra de Arte, o seu expectador nunca poder iludido ou seduzido apenas pelo tema. Se o tema predomina o artista cai na pura comunicação, entropia e consumo imediata\o sem deixar rastro em que r3ecebe a obra. O   dialogo entre forma e conteúdo Na obra Amantes de Zúñiga o  canon de beleza americana este matéria da qual o escultor lança mão No obra Os diálogos só é possível e frutífero entre os transcende a imagem, a iconologia e iconografia de.

A Europa, com o seu projeto de farisaica civilização, é responsável direta pelos maiores massacres de vidas humanas praticadas com a ajuda da mais refinada Ciência e Tecnologia
O continente europeu construiu uma identidade estética de numerosas fontes. Mesmo com as suas contradições e conflitos internos, esta estética foi ferramenta europeia de conquista física e estética dos continentes da América, da África e da Ásia. O pensamento, a sensibilidade e o fazer original destes continentes foi desqualificado, recalcado e esquecido a favor do pensamento, da sensibilidade e do modo de fazer do europeu. Nas regiões conquistadas floresceu o legalismo, o populismo e o formalismo imposto pelo colonizador. Floresceram o kitsch e que descambou para o puro artesanato, o produto para o mercado e um pastiche de folclore útil para uma indústria cultural inventado, mantido e reproduzido pelo conquistador europeu. Quem lucra, com esta “criação”, com a circulação e com o consumo, o colonizador capitalista. A atual cultura chinesa copiou este processo e, visando o lucro, produz “cultura típica” para as mais variadas e contraditórias “culturas nacionais”.

Porém o mais grave é que, estas populações não europeias, depois de assistirem a desqualificação, o aniquilamento e o esquecimento das suas culturas de origem, assimilaram mal a cultura do dominador. Passaram a produzir, na heteronímia, de forma unívoca, linear e fixa. Reproduziram uma cultura. Reproduziram esta cultura de uma forma estéril, sem coerência e sentido para a arte mundial

Fig. 08 – A frase o Brasil descoberto “a alegria antes de ser descoberto” do manifesto Pau Brasil de 1924 que expressava a verdade que já havia O Manifesto Antropofágico ampliava para o humor como forma crítica e traço distintivo do caráter brasileiro: "A alegria é a prova dos nove" A música e a dança resistiram e tornaram-se elementos subliminares da circulação da identidade como também aconteceu com as culturas africanas. Os sons e ritmos gerados no Novo Mundo tornaram-se os produtos de exportação que Oswald de Andrade queria para a poesia..

Antes do chinês o industrial, o comerciante e o capitalista britânico, havia redesenhado, para o Brasil,  a baiana, o gaúcho e o carnaval carioca como intuito de vender tecidos. Para tanto o teórico inglês William John Thoms (1803-1885) apresentou, na Academia de Ciência de Londres, no dia 22 de agosto de 1846 a sua tese, o conceito e o nome “FOLKLORE”.

Cláudio Afonso MARTINS COSTA  (1932-2005) -Maternidade  Bronze 7.7 x 5 x 7.5 cm b
Fig. 09 O escultor  Cláudio Afonso MARTINS COSTA  (1932-2005)  realizou o caminho inverso do dominador. Cláudio foi aprender com indígena sul-rio-grandense o seu mundo imaterial e material. Impregnado deste universo repensou a cultura  europeia, no Instituto de Artes da UFRGS onde foi respeitado e admirado por uma geração de mestres de uma época anterior a 1964. Passou a ser mestre e a peregrinar por instituições, ao modo do indígena, deixando lições que cada estudante e em cada escola. A modelo, da obra acima, pode ser conferida com as indígenas sentadas nas calçadas de Porto Alegre. Acarinham, cuidam e ensinam, aos seus filhos, lições imemoriais na sua língua de origem, permanecendo sentadas na via pública, A maior lição que Cláudio assimilou lentamento com a cultura ameríndia, foi a continuidade do sentimento de segurança e pertencimento que uma geração transmite à próxima. Sentimento de segurança e pertencimento sem sentimentalismo e presentinhos pontuais oportunistas e como descarga do complexo de culpa,

O conceito do ARQUÉTIPO, criado pela cultura europeia, pode ser muito rico e produtivo no estudo e distinções da origem de culturas não europeias. Contudo este mesmo conceito pode ser corrompido nas mãos desta cultura. O ótimo corrupto é péssimo, já sentenciavam os latinos. A indústria cultural capitalista criou e estimulou manifestações, obras e artistas lançando mão de uma moda, mal assimilada, da Arte africana e polinésia. A cultura europeia entregou-se ao trabalho e produziu formas de uma tendência pseudo primitiva, sem a sua alma, experiência e vida, das culturas não europeias.  Tendência que , no fundo, não passa de mais um tentáculo subliminar pelo  qual enreda outra cultura potencialmente concorrente e a envenenam pela raiz. Trata-se - no campo cultural - de processos semelhantes dos transgênicos, herbicidas e fungicidas na cultura de vegetais. 
ZÚÑIGA Francisco 1912-1998 p.121- Mãe acocorada-Bronze 83 x 87.5 x 75 cm
Fig. 10 - A  escultura de    Francisco Zúñiga evoca o  cânon de beleza americana no qual as formas físicas da crianças e  das mulheres férteis ganha destaque, sentido e coerência interna e externa.  O artista Zúñiga recorre  às formas escultóricas  que permitem manter diálogos frutíferos com uma realidade transfigurada sem sugerir idealizações românticas e nem recorrer a deformações de um expressionismo panfletário para puro espanto do seu  observador

             A autêntica Arte foi entendida sempre como o SER projetando o seu ENTE ou a fonte. Com tal qualquer desconexão ruptura ou falsificação, nesta projeção do SER,  esconde, maquia ou perverte aquilo que é o autêntico ENTE. O colonizador se coloca como mediador nesta relação entre o ENTE e o SER. Para o colonizador não interessa o ENTE. Interessa o ser que ele pode moldar, manipular e somar com o idêntico, o fixo e o único. O Colonizador com o intuito de fugir das sansões morais do seu agir e fazer, põe em pratica o que CONSALVI  publicou (El Nacional), em 07 de outubro de 2012, para a  Venezuela: penso que as pessoas não gostam da História, pois ela nos interroga e nos desnuda”
Contornando, falseando e maquiando a História, é necessário construir, ostentar e reproduzir um TIPO imaginado ou, um factoide. Nesta construção destes factoides é possível inventar SERES HUMANOS diferentes entre si mesmos e com estereótipos unívocos e lineares. Mas iguais naquelas nações nas quais interessa a dominação. O dominador pode insuflar guerras, distúrbios e conflitos entre nações que ele domina por cima e por fora. Pode, inclusive, servir de árbitro nestas guerras, distúrbios e conflitos.
As obras de Arte são a materialização deste processo de interrogar e desnudar, conduzido pela História e base para um novo deliberar e com direito de decidir.
ZÚÑIGA Francisco 1912-1998 p.131 Mulher com véu - Bronze 114 x 185 x 103 cm
Fig. 11 As forças telúricas das rochas e falésias do Novo Mundo escondem formas que o  escultor   Francisco Zúñiga transfira em figuras humanas que dialogam com um meio hostil. Estas tensões de formas monumentais buscam um  cânon de beleza americana que Zúñiga transforma em   diálogos possíveis  e frutíferos  para toda a humanidade e civilizações que buscam a sua identidade e natureza. Esta coerência e unidade intrínseca desta escultura, do mestre mexicano,  suscita na mente do observador a sentença de Leonardo da Vinci de que “A Pintura é coisa mental”.

Para um pequeno vestígio do que era a América profunda antes das sucessivas levas de colonizadores europeus na América é possível ler nos relatos do espanhol Nuñéz Cabeça de Vaca e do alemão Hans Staden. Não era nenhum Paraiso como o iluminista Jean Jacques Rousseau (1712-1778) queria acreditar, sem nunca ter respirado os ares do Novo Mundo. De outro lado eram culturas multisseculares, que continuarão a existir e a se reproduzir,  caso  a cultura europeia entrar em colapso. 
Esta reprodução será possível, pois, no meio destes combates estéticos, continua correndo límpido uma série interminável e silenciosa de expressões autênticas da Arte que possui não só como tema, mas as formas e as energias próprias do Novo Mundo. Não são primitivos, nem loucos e muito menos objeto da “fama dos 15 minutos”. Estas expressões emergem da força silenciosa do Poder Originário. Elas possuem a força de plasmar as formas e os temas que de fato vivem e nas quais acreditam por toda a vida. Sobre eles não cola nenhum etiqueta, nem levam um alfinete nas costas como lepidópteros raros e, no seu silêncio,  não se deixam classificar.
ZÚÑIGA Francisco 1912-1998 p. 127 - GRUPO FRENTE AO MAR- 1984-Bronze 191 x 176 x 118.5 cm
Fig. 12 -  Os diálogos só é possível e frutífero entre os que de fato e de direito são iguais. Caso contrário,  há necessidade de permanecer surdo, mudo e inativo diante do domínio, do poder e da exploração predatória do europeu. Foi desta forma que o ameríndio conseguiu livrar-se da escravidão legal colonial. Porém esta conquista ele teve de ser paga com ostracismo político, cultural, econômico e técnico. Portando esta liberdade ele foi obrigado a peregrinar na sua própria terra e se abrigando nos piores lugares destas veredas desconhecidas e temidas pelos europeus.

O artista “esquece”, de sua parte, tudo aquilo que é tributário da cultura inútil. Surpreende o seu observador com uma verdade na mensagem estética comum ao criador e a quem recebe. Toda escolha constitui, sempre, uma perda. Para as Artes nas Américas significa a administração das perdas de histórias, culturas e estéticas que outras culturas desejam impor com mais força ou manhas subliminares. Em termos filosóficos, este “esquecer, escolher e administrar perdas” seria uma comprovação da competência do artista em praticar e administrara “rupturas epistêmicas” a favor de sua própria obra A obra que resulta destas escolhas e administração de perdas do que não é da sua natureza, torna-se universal e apaga qualquer fronteira artificial. Contudo esta obra carrega no mínimo de sua forma física, contraditoriamente, o máximo de sua origem e dos limites de sua origem. Na sua universalização constitui-se num documento de seu tempo e lugar de origem.
FIGURA encontrada nas ESCAVAÇÔES da PIRÂMIDE e TUMULO do SENHOR de SIPÁN – O xamã – Origem Geographic Magazine
Fig. 13 Os segredos guardados e acariciados pelo xamã da cultura mochica revela uma cultura complexa e elaborada em lugares adversos nos quais as forças físicas de sobrevivência dialogam com as forças psíquicas. Mesmo para a cultura pós-industrial cuja Ciência e tecnologia não conseguiu desvelar as suas  potencialidades destas mesmas forças psíquicas e físicas cuja profundidade, extensão e limites continuam latentes no século XXI,.

Conservar, animar e reproduzir a soberania política latino-americana, após o regime colonial legal, exigia muito mais do que nobres sentimentos e confiança na justiça do Governo como apregoava o Correio Braziliense de outubro de 1812. Contudo era a semente. Ela necessitava ser colocada neste mundo material, ser alimentada e reproduzida por meio de expressões de soberania. Expressões coerentes física e mentalmente com a vida no Novo Mundo. Os cincos séculos de resistência das culturas ameríndias certamente possuem muito a ensinar em relação à vida e mentalidade que milhares de anos e de gerações receberam daqueles que ocuparam, humanizaram e reproduziram nesta parte do Mundo.  A transmissão e a continuidade do sentimento de pertencimento ao coletivo decorriam de outra matriz do que a europeias. Esta cultiva o romântico sentimento que emerge das paixões e se manifesta em emoções. Emoções que se transformam em presentinhos pontuais oportunistas e como descarga do complexo de culpa. Presentinhos que decorrem, por sua vez, da indústria, do comércio e do capitalismo.
ZÚÑIGA Francisco 1912-1998  p,111 - Três mulheres caminhando 1981-Bronze 194 x 132 x 256 cm
Fig. 14  -. Nesta  obra Francisco Zúñiga manteve os meios formais coerentes com a sua própria vida e experimentos que ele realizou, no seu quotidiano, no Novo Mundo. Neste quotidiano do IR do VIR de  Zúñiga ele  busca, encontra e evoca e dialoga num  cânon de uma beleza americana. Do outro lado Atlântico, a União Europeia pregou, ao ser instalada, como uma das primeiras conquistas foi a liberdade de IR do VIR  sem constrangimentos, discriminações na sua própria terra e continente. Este mesmo direito que ela controlava estreitamente nas suas colônias e que, no século XXI, continua a impor sérias restrições aos oriundos das Américas.  Naturalmente eles excetuam os poucos que podem contribuir como portadores de bens materiais ou imateriais gerados no Novo Mundo.  O restante é “bugre” ou “traficante” que necessita ser vigiado e punido por alimentar os vícios dos próprios europeus. Necessidade de vigiar e punir justificável na lógica europeia e com raízes em “guerras estéticas” subliminares entre colonizador e “colonizado que não deu certo”. Contra estes preconceitos levanta-se a obra do artista mexicano Zúñiga.

As atuais culturas ameríndias possuem como prêmio concreto da sua resistência possibilidade da sobrevivência a esta fase da cultura europeia, mesmo que tenham sucessivas e agudas crises e, no extremo, entrem em colapso definitivo. Assim não faz sentido, num horizonte mais longínquo, a metáfora consumista de um ”Planeta dos Macacos”, após o final da própria espécie humana. Evidente que a resistência, permanência e reprodução não dependem de uma etnia especifica. A resistência, permanência e reprodução dependem daqueles que souberam e puderem deliberar e decidir equilibradamente em íntima coerência entre a vida e mentalidade. As Artes não só constituem em índices desta resistência e coerência, mas são expressões concretas, materiais e fortes deste projeto de resistência, de permanência e de reprodução. Isto explica a  primeira campanha, e a guerra da parte do europeu para desqualificar estas obras de arte dos ameríndios além de proibi-las e queimá-las. As primeiras universidades na América foram implantadas e mantidas nos mesmos lugares onde a cultura, a estética e Arte ameríndia teve os seus respectivos apogeus. Universidades que garantiram a hegemonia da cultura europeia no plano imaterial.  Para a fortuna, triunfo e reprodução da estética e do regime colonial oficial ibérica, a estética ameríndia, foi silenciada, queimada e esquecida pelas forças materiais das armas, do fogo, das lágrimas e do sangue derramado dos criadores da estética ameríndia.


FONTES BIBLIOGRÁFICAS

NUÑEZ Cabeça de Vaca, Alvar (c.1490 – c.1558).  Naufrágios e comentários Trad. Jurandir Soares dos Santos-  Porto Alegre : L&PM,  1999, 319 p.

PRAMPOLINI, Ida Rodríguez  - La obra de Francisco Zúñiga canon de Belleza Americana. México : Sinc S.A. de C./Albedrio 2002 143 p ISBN 970-9027-07-7 

STADEN Hans 1525-1579. Duas viagens ao Brasil – Belo Horizonte : Itatiaia, 1988, 216 p. il

WITTGENSTEIN, Ludwig (1889-1951). Tractatus lógico-philosophicus. São Paulo : EDUSP    1993.  281p.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS

DITADURA na VENEZUELA
CONSALVI, Simón Alberto (Venezuela - El Nacional em  07.10.2012)

EUROPA e a 3ª Revolução Industrial

MUIRAQUITÃS

OSWALD de ANDRADE e o MANIFESTO PAU BRASIL -1924
OSWALD de ANDRADE e o MANIFESTO ANTOPOFÁGICO 1928

ROUSSEAU, Jean Jacques

TAMBOR MAIA
THOMS, William John  - Folklore

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