domingo, 20 de julho de 2014

099 - NÃO FOI no GRITO

O BRASIL em JULHO de 1814:
O MILITARISMO e as INSTITUIÇÕES POLÍTICAS
Fig.01. Planta da cidade de Salvador na Bahia em 1631. A cultura europeia iniciou pela cultura urbana para depois criar a cultural rural. Esta inversão contrariava a tradicional cultura do Velho Mundo que iniciava pela rural para depois se consolidar na urbana. Isto era reforçado pelos fortes e fortalezas construídas tanto para ataques externos como para controlar eventuais investidas vindas do interior. Esta estratégia lusitana deu certo na América como na África. Esta cultura lusitana não ultrapassou a urbana na Ásia como em Goa e Macau, pois a cultura rural indiana e chinesa já estava consolidada.

Um regime político ou um sistema governamental condiciona  determinante.  Estas circunstâncias maiores determinam a nulidade - senão a corrupção - de todos os aspectos positivos deste regime ou sistema. Isto apesar de os lideres e os chefes sejam os melhores, os mais racionais, esforçados e eticamente corretos.

O Regime Colonial Brasileiro foi implantado mantido e se reproduziu - ao longo de três séculos - graças aos fortes, as praças e os governantes militares de suas províncias. Cabia a corte nomear, manter e alimentar este governo militar das províncias. Fazia o mesmo com o regime e o sistema as dioceses eclesiásticas da qual o rei ocupava o topo como titular da ORDEM de CRISTO. Tudo corriam bem, na casa de Abrantes, na medida em que os cortesões conseguiam manter este delicado equilíbrio homeostático em funcionamento. Para este regime político - ou sistema governamental - não fazia o menor sentido as forças do PODER ORIGINÁRIO cuja única função era serem submissas e constituir uma base estática e preferencialmente eterna.

Fig.02. O forte de Monte Serrat na Bahia protegia a cidade de Salvador tanto de possíveis ataques terrestres como a retaguarda por ataques vindos do Recôncavo. A primeira capital colonial brasileira guarda os índices da ocupação militar promovida pela  cultura europeia que iniciou pela inversão da cultura urbana para depois criar a cultural rural.
O rosário de fortes e fortalezas - que cercavam a colônia lusitana na América - tinha na lógica do poder e mando militar efetivo. Ao mesmo tempo constituem índices materiais do suporte logístico, civil e estratégico correspondentes a este pacto. Pacto pouco evidenciado pois não se pretende discutir o que ele significa antes, durante e após cada etapa nacional brasileira.

Fig.03. O forte de São Marcelo protegia o porto da cidade de Salvador, na Bahia, possíveis ataques vindos do Recôncavo no caso de algum navio inimigo superar a barreira os fortes da Barra. Esta ocupação militar - promovida e mantida pela  cultura europeia em relação à primeira capital colonial brasileira - empresta sentido ao ato formal da “Abertura dos Portos” como um dos primeiros gestos administrativos de Dom João VI em território brasileiro .

Porém em julho de 1814 havia índices disponíveis e tratados no 
CORREIO BRAZILIENSE, DE JULHO, 1814.  VOL. XIII. No. 74. pp. 93-94 Miscellanea.

Reflexoens sobre as novidades deste mez. BRAZIL.

Governo militar das provincias.

Saõ tantos e taõ poderosos os motivos, que nos obrigam a considerar, e reflectir, sobre as instituiçoens politicas do Brazil;  que naõ nos cançaremos nunca de fallar desta matéria; por mais fastidiosa que pareça a repetição ; porque nos lembramos, que a nossa perseverança deve produzir sempre algum effeito maior ou menor, em mais ou menos tempo. Guta cavat lapidem non vi,  sæpe cadendo[1].
No nosso numero passado trouxemos o exemplo do Governador do Ceara, para mostrarmos, quanto o Governo Militar das províncias he contrario á prosperidade da naçaõ, e ao bem dos povos. Agora temos de nos haver com o Governador da Bahia


[1] Gutta cavat lapidem,non vi, sed sæpe cadendo [Homero/Resende 2199] A gota fura a pedra, não pela força, mas caindo muitas vezes –Água mole, pedra dura, tanto dá até que fura- A pedra e dura, a guta miúda, mas sempre caindo sempre faz cavaduraGutta cavat lapidem, non vi, sed sæpe cadendo ; sic homo fit doctus, non vi, sed sæpe legendo [Binder, Medulla, 53] A gota fura a pedra, não pela força, mas caindo muitas vezes; assim o homem fica culto, não pela força, mas lendo muito vezes.



Fig.04. O forte dos Reis Magos em Natal Rio Grande do Norte é um dos mais próximos de Lisboa e colocado estrategicamente entre as rotas navais entre o Sul e Norte do Brasil.  Sua construção iniciou antes da Invasão Holandesa.

 Ouçamos primeiro uma historia antiga.

Dionisio, tyranno de Siracusa, ouvio dizer, que uma velha fazia todos os dias oraçaõ aos Deozes, para que conservasse a vida do tyranno, até que ella morresse. Como os desejos de todos os cidadãos eram contrários aos da tal velha, mandou-a o tyranno chamar, para lhe perguntar a razaõ de desejar-lhe a prolongaçaÕ da vida. Na minha infância, disse aquella mulher, ouvia eu a todo o mundo queixar-se do rey que nos governava; e eu, bem como a demais gente, desejava que elle morresse; foi assassinado, e succedeo-lhe outro, que apoderando-se da cidadela, fez desejar o passado: nós rogamos os Deoses, que nos livrasse delle; as nossas oraçoens foram ouvidas, -viestes vós peior que ambos os outro»; c como eu temo que o quarto ainda vos exceda, naõ desejo viver depois que vós morrerdes.

.05. O mesmo forte dos Reis Magos em Natal Rio Grande do Norte visto do alto revela a influência dos fortes renascentistas desenvolvidos por Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo. Este último conferenciou com Francisco de Holanda, mas sem tocar neste tema que era segredo militar na época. Como não havia contencioso da Itália da época com Portugal não havia segredos recíprocos.

Os authores antigos conserváram-nos esta anecdota para com ella provar, que se os males provém da má forma de Governo, naõ he a mudança da pessoa, que pode ser succedida por outra melhor, ou peior, quem remedeia o mal, mas sim a mundança do systema a que se deve attender.

PERNAMBUCO - Forte Orange 1631
Fig.06. Pernambuco foi uma das mais prósperas capitanias hereditárias e –por isto – a mais cobiçada pelos estrangeiros.  Em especial a ocupação holandesa. Esta foi extremamente atrativa para os nativos. Esta atração exigiu a confluência das forças das três etnias para expulsar o invasor. Ainda que reticente e desconfiada a metrópole teve admitir outro formato e paradigma do colonial. Porém jamais um indígena ou afro-descente pudesse subir aos postos mais distintos deste exército colonial.

Vamos ao Governador da Bahia, o Conde dos Arcos tem mostrado tanta prudência, e suavidade de maneiras depois que governa a Bahia, como aquelle governador que mais prudente tem sido; e muito mais do que o commum delles. No entanto este mesmo prudente homem naõ tem podido resistir a tentação, que lhe ministra a immensidade do poder depositado em suas maõs.

RIO de JANEIRO  Fortaleza de Santa Cruz da Barra
Fig.07. A manutenção e a transformação, em 1763,   do Rio de Janeiro em capital do Vice Reinado do Brasil  foi acompanhado por uma série de fortes e fortalezas e sedes de guarnições militares ao exemplo do que acontecia na Bahia. O local estratégico da Fortaleza de Santa Cruz foi ocupada por uma série sucessiva  de construções defensivas e cuja construção mergulha a sua raiz na fundação da cidade no dia 01 de março de 1565 por Estácio de Sá sobrinho de Mem de Sá.

Entre o cathalogo de actos arbitrários, que se imputam a este Governador, vem uma grande serie a respeito de militares. A este respeito só temos a dizer, que na tropa todo o Governo he, e deve ser despotico; quem he ou procura ser militar deve dispor-se a uma sugeiçaõ absoluta; e a queixa contra o superior so será racionavel, se o acto de despotismo for alem disso injusto; e como naõ estamos inclina os a dar a nossa opinião sobre injustiça ou justiça destes factos, sem ouvir ambas as partes, ou uma relação imparcial, julgamos prudente deixar no tinteiro tudo quanto se nos tem communicado a este respeito.

Fig.08. O forte de Bertioga protegia o litoral de São Paulo em especial a entrada de Santos. Construído a partir do século XVI ganhou o seu formato atual em 1711

Naõ he porém o mesmo quando se tracta de casos civis, em que sempre julgamos impróprias as ordens despoticas; por mais justas que se representem.

Exemplos.

Certo ecclesiastico cedeo a beneficio do theatro, uma divida mal parada; o devedor, que tinha feito banca rota, foi mandado pelo Governador pagar a dividia; e naõ podendo cumprir á ordem, foi prezo no forte do mar, aonde esteve seis mezes, e continuaria a estar, se S. A. R. o naõ mandasse soltar. 0 nome do padre he Raymundo de tal: o devedor chama-se Manoel Feliz da Veiga.

SANTA CATARINA -  forte de São José
Fig.09. O forte de São José na Ilha de Santa Catarina era um do ponto geográfico  mais ao Sul da Colônia lusitana brasileira  Foi n década de 1540, o ponto de partida do governador espanhol Cabeça de Vaca para chegar, por terra,  à Assunção no Paraguai. Porém o lusitano se firmou neste ponto para conquistar militarmente o que é hoje o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

A Câmara da villa da Cachoeira, representou contra a nomeação de um Alcaide e Carcereiro, provido pelo Governador; porque o nomeado naõ sabia ler nem escrever. A câmara foi chamada a Bahia, reprehendida, e mandada arrancar a folha do livro, em que se registara a vereaçaõ daquelle dia.
Tirou o Governador, de sua própria authoridade, a varada Conservatória Ingleza ao Dezembargador que a servia por provisão Regia. O Cônsul Inglez ameaça queixar-se contra o Governador, este humilha-se, torna a tirar a vara a quem a tinha dado, e restitue-a ao primeiro possuidor
RIO GRANDE do SUL Rio Parto Forte Jesus Maria Jose - planta 177
Fig.10. As sesmarias lusitanas no Rio Grande do Sul tiveram decisivo a apoio logístico, estratégico e tático a partir  fortes como o de Jesus, Maria e Jose de Rio Pardo. Esta fortaleza da “Tranqueira Invicta”  se consolidou a partir das guerras guaraníticas descritas por Tau Golin (1998). Por sua vez as sesmarias - resultantes esta conquista-  adotaram uma rígida disciplina militar tendo figuras militares como proprietários e administradores.

Uma das circumstancias, que mais tem contribuído para a rectidaõ da administração da justiça em Inglaterra, e para sustentar o character de integridade nos juizes, he que El Rey os naõ pôde privar de seus lugares. Mais, os Juizes, desde que saõ nomeados para os seus lugares, nunca mais apparccem na Corte; naõ assistem ao bejamaõ, nem outras funcçoens de apparato do Monarcha, mostrando até nisto, quue o seu ministério he independente. Ora quanto naõ differe isto do systema Portuguez, de fazer os juizes, naõ ja somente creaturas do Secretario de Estado, sugeitos ao capricho do ministério, mas ate expostos a arbitrariedade de um Governador. He o systema, naõ as pessoas, que desejamos ver reformado.

Rudolf Herrmann WENDROTH, - militares -  RS c. 1852
Fig.11. O coronelismo endêmico de  Norte ao Sul do Brasil possui sua fortes raízes no colonialismo quando a militarização de território era forma natural de dividir, de administrar e de reproduzir a posse da terra. Esta reprodução se dá no Rio Grande do Sul - como terra de conquista miliar - sob a aparência e hierarquia dos PATRÕES e PEÔES herdeiros das mais profundas tradições,  raízes, e cavaleiros dos castelos medievais.

Pede a justiça, que tornemos a repetir aqui o bom conceito que fazemos da brandura de character, e do espirito de moderação do Governador da Bahia, segundo a vós geral. He também justo que declaremos a impressão, que temos a este momento, de que as pessoas, qne nos tem dado informaçoens contra elle, saõ pessoas apaixonadas: mas tudo isto naõ faz ao caso; porque nada importa que o theor geral do seu comportamento seja moderado, affavel, ou ainda mesmo justo, se o poder demasiado, que se tem collocado em suas maõs, lhe subministra occasiaõ de opprimir, no momento da paixão, algum indivíduo; o qual naturalmente se queixa da oppressao que padece; assim como ioda a mais gente soffre naõ pequeno tormento, na consideração de ser possivel acontecer-lhe o mesmo.

MATO GROSSO Forte de Coimbra latitude 19º 551 e longitude 60º 1’
Fig.12. As fronteiras ocidentais com as terras de Castela foram marcadas por um série de  fortes lusitanos como o de Coimbra as margens do Rio Paraguai fundado em 1775 Nestas plagas ermas , de uma população indígena nômade  fixação de fortes militares garantiu a posse de imensas áreas e que ganharam sentido pleno a partir do século XX e e possibilitam a expansão de novas e férteis fronteiras agrícolas e descritas, em1862, por Bartolomé Bossi (2008)

Deste exemplo queremos concluir, que o character do indivíduo só tem influencia no maior ou menor numero das injustiças, que se commettem; mas a oppressao geral he a mesma; o terror que accompanha este estado de despotismo he igualmente afflictivo.


Um regime político ou um sistema governamental condiciona, é determinante e se projeta muito além do seu tempo tomando outras aparências. A água destilado por um regime político pode estar contaminada, ou também cair no lugar errado e assim corroer, enfraquecer e corromper o caráter nacional profundamente e por um longo período. No caso brasileiro os três séculos de regime político colonial deixaram profundas sequelas. Em especial quando um regime político tem por hábito recorrer ao regime militar. Regime militar especialmente danoso ao o caráter nacional quando ele se torna o feitor da escravidão endêmica ou a encobre o servilismo com estardalhaço, gritos de intriga, maniqueísmo e rumores de guerra interna e externa.

RONDONIA  Rio Guaporé Forte do Príncipe da Beira  1776 latitude 12º 25’  e longitude 64º 25’
Fig.13. O forte do Príncipe da Beira é determinante paraa fronteira brasileira face à Bolívia e num dos afluentes do rio Amazonas. Herança do regime colonial lusitano e as suas permanentes disputas de terras mais ao oeste e muito além do Tratado de Tordesilhas. O Forte Príncipe da beira significava o avanço lusitano militar pelo Rio Amazona enquanto de Coimbra era a entrada pelo Rio da Parta guarnecido, desde 1680, pelo forte de Colônia do Sacramento.

 A profunda marca colonial e escravocrata é facilmente detectada nos atuais presídios. Fortalezas que se difundiram por todo território nacional cumprem a mesma função de segregar, dividir e dominar por cima e por fora do PODER ORIGINÁRIO da NAÇÃO. Estas circunstâncias maiores determinam a nulidade - senão a corrupção - de todos os aspectos positivos deste regime ou sistema colocado com pilar central e dominante do campo prático da política nacional.

g.14. O Brasil  está pontilhado de Sul ao Norte pela herança fisica do uso da força e da coerção para manter um mínimo de condições administrativas. Assim descarta a opção pelo caminho de um PROJETO CIVILIZATÒRIA COMPENSADOR desta violência e força física. Ninguém nega ao Estado o uso de coerção e força de um ao modo de um “Leviatã” construído para tal fim. Antes, porém é dever do Estado e do Governo oferecer a via da SAÚDE, da EDUCAÇÂO e seja competente para a DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA dos LUCROS gerados pelo trabalho coletivo.


Em conclusão é possível verificar materialmente que a ocupação militar do Brasil pela metrópole colonialista não era blefe, marketing e propaganda governamental. Para reforçar este conclusão é necessário avaliar o investimento em logística, na manutenção de efetivo militar e na localização estratégica dos fortes. Com estes dados em mãos é possível se perguntar a quem beneficiava efetivamente e da relação entre custos e benefícios. Certamente o beneficiário maior não tenha sido o Poder Originário e quem, de fato, sustentava o pilar central e dominante do campo prático da política nacional.

FONTES BIBLIOGÁFICAS

BOSSI, Bartolomé  (1819-1890)  Viagem pitoresca pelos rios Paraná, Paraguai, São Lourenço, Cuiabá e o Arinos, tributário do grande Amazonas com descrição da província de Mato Grosso com seu aspecto  físico, geográfico, mineralógico e seus produto naturais – Brasília: Senado Federal 2008, 132 p http://www.senado.gov.br/publicacoes/conselho/asp/publicacao.asp?COD_PUBLICACAO=387




GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha           destruíram os Sete Povos dos  jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do  Sul. (1750-1761).    Passo Fundo : PUF e Porto Alegre : UFRGS,   1998. 624 p.



HOLANDA, Francisco (1517-1585) Diálogos de Roma: da pintura antiga. Lisboa: Sá da Costa,        1955,  158p.




FONTES NUMÉRICO-DIGITAIS

ARQUITETURA COLONIAL BRASILEIRA







CORREIO BRAZILIENSE, DE JULHO, 1814.  VOL. XIII. No. 74.




FORTALEZAS BRASILEIRAS
















MATO GROSSO




RIO GRANDE do SUL - Rio Pardo – Tranqueira Invicta




RORAIMA


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Círio SIMON


























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