segunda-feira, 20 de abril de 2015

118 – NÃO FOI NO GRITO.

Os “CAPAS PRETAS” de COIMBRA e TIRADENTES
Leopoldino de Faria 1836-1911) Tiradentes ouve a Sentença de Morte (detalhe)   http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes 
Fig. 01 – O confronto entre o Estado monocrático lusitano, firme e simbolicamente ancorado na Igreja foi mediado pelos “capas pretas de Coimbra”. A vitima, da denúncia, raramente escapava ilesa destas teias legais.

Tanto o colonialismo lusitano como a escravidão constituíram fatos e práticas perfeitamente legais,  apesar de sua flagrante violência implícita e explícita.
Os formados pela Universidade de Coimbra eram os agentes para as sólidas  e múltiplas dominações deste colonialismo e esta escravidão legal.
Os formados pela Universidade de Coimbra pouco apareceram para luz das narrativas históricas, pois o trabalho destes juristas lusitanos foi silencioso e sem gritos. Agiam na sombra de um Estado e de um trono monocrático que ignorava qualquer concorrência de um Poder Legislativo e Judiciário com autonomia suficiente para ter voz e vez. Os nomes pessoais eram ofuscados ou eclipsados e sem sentido para figurar numa narrativa histórica própria e separada do trono em cuja heteronomia se moviam e agiam ritualmente. 
Fig. 02 – A antiga Universidade de Coimbra era o ambiente no qual se preparavam as forças e as energias dos intelectuais e práticos orgânicos para agirem coerentemente com o Estado lusitano monocráticos. A elite dirigente, econômica e social enviava e ali sustentava a nova geração. O  estado monocrático tinha garantia de receber agentes preparados para a reprodução da sua dominação jurídica, econômica,  militar e eclesiástica.  Retribuía com postos e salários para este esforço e investimento da elite  nesta nova geração. Garantia assim a reprodução, por tempo indeterminado do sistema colonial e escravocrata.

Não é possível falar de “brasileiros” no período colonial. O termo “brasileiros”  é juridicamente inexato e impreciso. Sabe-se daqueles que vinham residir na colônia brasileira que, além das fortes amarras coloniais,  não assumiam esta identidade. Aspiravam regressar o mais rápido possível para a metrópole, levando junto a sua prole. No plano popular lusitano o termo “brasileiros” era conferido aqueles que  enriqueceram na colônia americana e constituíam uma amostra temporã da burguesia emergente em Portugal. 
Mesa-de-Consciência-e-Ordens no Rio de Janeiro Jean Baptiste Debret
Fig. 03 – O cortejo dos integrantes da MESA da CONSCIÊNCIA e das ORDENS no tempo da perman~encia da corte lusitana no Rio de Janeiros. Em Lisboa permaneceu funcionava uma outra Mesa de Consciência com idênticas funções. Fica evidente o aparato visual,  a força de reprodução e permanência de hábitos para sustentar um soberano monocrático, um trono e uma corte sem mandato de uma nação ou de um PODER ORIGINÁRIO.

 A Universidade de Coimbra fornecia os teóricos da dominação interna e colonial. Na dominação interna o Tribunal da Santa Inquisição[1] preparava as mentes e vontades daqueles que iriam exercer parcelas da dominação monocrática. Aqueles que fugiam ao poder do tribunal eclesiástico eram atingido pela MESA da CONSCIÊNCIA[2] do poder civil. Os egressos de Coimbra eram examinados e recrutados para agentes fieis destes dois tribunais.
Os “cristãos novos” eram identificados e afastados da entrada ou exercício desta profissão e no exercício das  funções da dominação monocrática
Mural pintado em 1948 e 1948 para o Colégio de Cataguases – MG-  e transferido para o Memorial da América Latina de São Paulo – SP-  Têmpera sobre telas 309 x 1967 cm
Fig. 04 – O silencio obsequioso dos “Capas Pretas de Coimbra , o registro unilateral e tendencioso dos autos sem possível  contraditório  e a falta de registro visual do que se passou com os Inconfidentes Mineiros abriu um gigantesco espaço para a sua mitificação ou naturalização posterior.  O Regime Republicano procurou preencher este oco e transformar o TABU em TOTEM. Constriu este TOTEM e o festejou com a criação de signos, festividades e eventos devido ao fato de que Tiradentes e seus colegas estavam pleiteando o Regime Republicano.

O Iluminismo e o culto da Razão tiveram uma silenciosa e pudente aceitação a partir de contatos com outras nações europeias.  O período pombalino foi fechado e invertido com a “VIRADEIRA” da época de Dona Maria I. Sob esta reação foi possível conduzir o PROCESSO CONTRA os INCONFIDENTES MINEIROS e seu cruel desfecho.
Quando este ciclo de dominação legal foi parcial e timidamente afastado juridicamente o dominado guardou na sua memória singular os benefícios que usufruiu ou dos quais  foi privado para lembrar-se apenas da nova condição que a soberania propiciou. Sentindo-se ainda vivo tratou daquilo que esperava do que sobrara da existência por mais precária que fosse.
Fig. 05 – O pintor fluminense Antônio Parreiras esteve diversas vezes no Rio Grande do Sul onde percebeu e represento a Proclamação da Republica Sul-rio-grandense em Piratini. Ato contínuo exaltou um dos próceres da República e cujo dia feriado de Tiradentes[1] faziam parte deste ideário do Regime Republicano  vitima da denúncia raramente escapava destas teias legais

Este anestesiado político, econômico e social ingressava no jogo mortal que Maquiavel apontava ao PRINCIPE [2]  para princípio da sua ação dominadora:
As ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados”. Capítulo VIII,  p. 37
A memória humana seleciona e elimina rapidamente os malefícios diante da simples  continuidade da vida. Com ela a salvo busca e se recorda apenas do lado positivo por mais tenebroso e monstruoso que tenha sido o seu passado recente ou passado. Uma nova geração, que não teve pessoalmente esta experiência negativa, ignora completamente este período tenebroso e monstruoso. No máximo o MITIFICA este período tenebroso e monstruoso ou então o NATURALIZA como destino humano universal.



[1] O dia 21 de abril era  feriado de Tiradentes, patrono da República.   “Dia 21 de abril foi declarado feriado nacional em honra de Tiradentes, como patrono da República, pelo Decreto Federal nº 155-B em 14.01.1890”  (Boletim do MESP, ano  1, nº 1 e 2,  jan-jun 1931 p. 165). 

Leopoldino de Faria 1836-1911) Tiradentes ouve a Sentença de Morte  http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes
Fig. 06 – O artista Leopoldo de FARIA escolheu o momento da leitura da sentença de morte que o Estado monocrático lusitano pronunciou contra TIRADENTES. A tarefa da leitura pública e na prisão  coube um “capa preta de Coimbra”  simbolicamente ancorado num membro da Igreja.  Os demais inconfidentes nada podem fazer e são consolados pelo sentenciado à morte que, ao estilo de Sócrates,  toma sobre si todo o peso desta força desproporcional de um regime legal mas absolutamente imoral

 Por esta razão é temerário examinar, mitificar e puxar para frente do palco figuras e aspectos positivos praticados pelos “capas pretas” de Coimbra. Os candidatos eram selecionados ao natural em famílias, de posses provindas, direta ou indiretamente, do sistema colonial e escravocrata. Submetiam-se aos ditames de uma instituição cujos diretivos, orientadores e docentes estavam alinhados compulsoriamente com o Estado Lusitano colonialista e escravocrata. Instituição  controlada diretamente pelo Estado, pelo trono monocrático e a Santa Inquisição. Se esta instituição era subvencionada pelo erário publico em contrapartida o trono, a Igreja e os diretivos controlavam os créditos simbólicos de títulos acadêmicos.  Diretivos, orientadores e docentes selecionados,  submetidos e controlados internamente  por uma congregação ou por um “claustro” parado no tempo como continua a acontecer em muitas universidades atuais herdeiras destas hábitos e rituais. 
Mural pintado em 1948 e 1948 para o Colégio de Cataguases – MG-  e transferido para o Memorial da América Latina de São Paulo – SP-  Têmpera sobre telas 309 x 1967 cm ( detalhe)
Fig. 07 –O artista visual Cândido Portinari toma toda a liberdade poética para transfigurar em TOTEM,  por meio de cores e de formas,   o TABU que pesou -  ao longo do Regime colonial e ao longo de Período Imperial  - sobre os INCONFIDENTES MINEIROS e sobre aquele que assumiu a responsabilidade pela rebelião Regime Republicano procurou preencher este oco e transformar. Construiu este TOTEM e o festejou com a criação de signos, festividades e eventos devido ao fato de que Tiradentes e seus colegas estavam pleiteando o Regime Republicano

Estes agentes cumpriam em silêncio, diante do Estado lusitano,  a sua tarefa de “Intelectuais Orgânicos” do regime colonial e escravocrata. Sempre estava ás suas mãos, aos seus olhares, seus ouvidos e seus  raciocínios,  a cobertura e a blindagem providencial da assinatura final do soberano monocrático abençoado e legitimado pela religião. Soberano monocrático sem legislativo ou judiciário autônomo e com voz e vez. Estes “capas pretas” eram suficiente e adequadamente cooptados por estes soberanos, trono e coorte. Como retorno, desta heteronomia,  sabiam tirar proveito do seu respeitoso silêncio diante das contradições e injustiças do sistema colonial e escravagista.
 Caso eles fossem ousados suficientes para romper este limite ou praticar qualquer rebeldia conceitual, silêncio ou gesto temerário, sabiam do arsenal jurídico, do qual eram guardiões, e que poderia voltar-se contra eles. Diante dos seus olhos destes “capas pretas”,, dos seus  ouvidos e da sua memória, estavam vivos, mais do que qualquer outro,  os desfechos dos tribunais da Santa Inquisição ou então as consequências de quem era intimado a prestar cotas diante da Mesa da Consciência. Os pelourinhos, as forcas públicas e as cinzas das fogueiras da Inquisição eram sinais unívocos e lineares que continham a inteligência, a vontade e os sentimentos diante dos limites traçados pelos soberanos, trono e corte.
Figueiredo e Melo, Francisco Aurélio (1858-1916) Tiradentes na forca - Museu Histórico Nacional httpwww.museuhistoriconacional.com.br
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aur%C3%A9lio_de_Figueiredo
Fig. 08 – Na ausência de qualquer imagem de Joaquim José da SILVS XAVIER a sua figura foi identiticada deliberadamente  com a imagem de Cristo do qual também se desconhece qualquer imagem da figura histórica. No caso de Tiradentes Estado monocrático lusitano proibira qualquer imagem pessoal dequalquer súdito. Assim não há registro visual de época de qualquer dos temas relacionados com esta figura. A pesquisador  ISOLDE HELENA BRANS VENTURELLI teceu a tese de que os Profetas do Aleijadinho constiírem metáfas visuas dos INCONFIDENTES MINEIROS


Neste contexto é necessário acompanhar o desenrolar do longo processo movido contra Tiradentes[1] e cuja sentença final emanou do trono lusitano. Enforcamento público absolutamente legal  contudo imoral e bárbaro.
Quanto a escravidão os “capas pretas de Coimbra”  tinham posições assumidas mas silenciadas para o público servil.  Após o Marquês de Pombal extinguir, no dia 12 de fevereiro de 1761[2], a escravidão no território metropolitana, começaram a circular internamente em Coimbra e na busca de ganhar corpo jurídico. O ”capa preta” Hipólito José da Costa registrou e imprimiu em Londres
Quando estudávamos direito Romano, na Universidade de Coimbra, lá nos ensinaram, que a escravidão era uma instituição injusta; que os argumentos dos Jurisconsultos Romanos, para provar a legalidade absoluta da escravidão, eram sofismas” CORREIO BRAZILIENSE  VOL. XIV . Nº . 83. 3º vol.  p.535[3]
Entre as numerosas contradições jurídicas que reinavam no interior do corpo constitucional lusitano a metrópole havia abolida a escravidão no território metropolitano enquanto no Brasil continuou até o final do Império. Administrar estas e outras ambiguidades certamente não foi fácil para os egressos de Coimbra para cumprir sua função de teóricos orgânicos do sistema. De outro lado mostra a força da economia e dos senhores brasileiros de escravos. Neste aspecto a Independência do Brasil foi um alívio.



[3] CORREIO BRAZILIENSE  DE ABRIL, 1815. VOL. XIV . No . 83. 3 vol.  pp.535-540 Reflexoens sobre as novidades deste mez.
BRAZIL. Commercio da escravatura.

Figueiredo e Melo, Pedro Américo (1843-1906) Tiradentes esquartejado – 1893 óleo sobre tela 270 x 165cm. Museu mariano Procópio – Juiz de Fora MG
Fig. 09 – O irmão de Aurélio de Figeuiredo e Melo representa a parte mais trágica e vsualmente aversiva  deo repelente do esquartejamento da vítima.  Os Estados monocráticos, como o  lusitano, insistiam nesta exemplaridade para dissuadir qualquer outro aventureiro ou temerário chegar  com temor diante do monarca, trono e da sua corte. Não há noticias da parte dos “capas pretas de Coimbra” contestando ou condenando estes rituais.

De outra parte é um índice das poucas considerações políticas e administrativas que gozavam  as posições teóricas  destes egressos de Coimbra. Estas “capas pretas” não deixavam de constituir um silencioso corpo social, econômico e cultural que se entendia e se protegia reciprocamente. Praticavam, a sua maneira, o 7º e último aforismo do Tractatus Lógico-Philosóficus  de Wittgenstein[1]o que não pode ser dito, deve ser calado”.



[1] WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951)Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994.

Fig. 10 – O desconhecimento da imagem permite que o artista tenha uma liberdade para insidtir no aspecto simbólico da figura de Joaquim José da Silva XAVIER (1746-1792) O artistas plástico Vasco Prado enveredou para a figura de Tiradentes como semeador da planta da Liberdade diante do prédio da Assembleia legislativa do Rio Grande do Sul.

No contraditório este silêncio é o lugar e a morada dos mortos. Politicamente é o espaço  aguardado pelo tirano de plantão agir e recair na sua dominação implacável e constante renovado sob todas formas possíveis. Juridicamente é o terreno para uma absolvição e para o arquivamento de um processo. O resultado é a cultura do perdão e esquecimento renovado da quebra dos pactos nacionais mais sagrados éticos e legítimos.
Tudo isto, sem querer especular sobre o dano permanente que uma Justiça desta natureza sofre diante do PODER ORIGINARIO. Este busca distância, deste tipo de Justiça, devido ao descrédito de sentenças legais mas imorais.
Decreto nº 155-B, de 14 de Janeiro de 1890
Declara os dias de festa nacional.
    O Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, considerando:
    que o regimen republicano basêa-se no profundo sentimento da fraternidade universal;
    que esse sentimento não se póde desenvolver convenientemente sem um systema de festas publicas destinadas a commemorar a continuidade e a solidariedade de todas as gerações humanas;
    que cada patria deve instituir taes festas, segundo os laços especiaes que prendem os seus destinos aos destinos de todos os povos;
Decreta:
    São considerados dias de festa nacional:
......
   21 de abril, consagrada á commemoração dos precursores da Independencia Brazileira, resumidos em Tiradentes;
.....
Sala das sessões do Governo Provisorio, 14 de janeiro de 1890, 2º da Republica. - Manoel Deodoro da Fonseca. - Ruy Barbosa. - Q. Bocayuva. - Benjamin Constant Botelho de Magalhães. - Eduardo Wanderkolk. - Aristides da Silveira Lobo. - M. Ferraz de Campos Salles. - Demetrio Nunes Ribeiro


FONTES BIBLIOGRÀFICAS
BOLETIM Ministério da Educação e Saúde Pública. Rio de Janeiro : MESP ano 1. Nºs  1 e 2 , jan-jun 1931.

LUIS EDMUNDO. O Rio de Janeiro nos tempos dos Vice-reis. Brasília: Senado Federal

 VENTURELLI, Isolde Helena Brans -Tiradentes (1746-1792) face a face. Rio de Janeiro: Biblioteca Xerográfica 1993 84 p.

WITTGENSTEIN, Ludwig. (1889-1951)Tractatus Logico-Philosophicus. Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994.

FONTES NUMÈRICAS DIGITAIS

Capas Pretas de Coimbra Vídeo

CONTRADITÒRIO dos MONARQUISTAS à  PESSOA, FIGURA e SIMBOLO TIRADENTES

CORREIO BRAZILIENSE de abril de 1815
Escravidão em Portugal

INQUISIÇÂO e COIMBRA

MESA da CONSCIÊNCIA e COIMBRA

O processo contra os Inconfidentes:


ICONOGRAFIA COMEMORATIVA e SIMBÒLICDA de JOAQUIM JOSÈ da SILVA XAVIER
O desconhecimento da imagem permite que o arista tenha uma liberdade para insistir no aspecto simbólico da figura de Joaquim José da Silva XAVIER (1746-1792)


Leopoldino de Faria (1836-1914) Resposta de Tiradentes

Figueiredo e Melo, Francisco Aurélio (1858-1916) TIRADENTES na FORCA
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes

Figueiredo e Melo, Pedro Américo (1843-1906)  TIRADENTES  ESQUARTEJADO–

Cândido  PORTINATI (1903-192) TIRADENTES  e os INCONFIDENTES MINEIROS
Mural pintado em 1948 e 1948 para o Colégio de Cataguases – MG-  e transferido para o Memorlal da América Latina de São Paulo – SP-  Têmpera sobre telas 309 x 1967 cm

Antônio PARREIRAS (1860-1937)  PRISÂO de  TIRADENTES –

VASCO PRADO (1914-1998) estátua de TIRADENTES  diante da Assembleia Legislativa  do Estado do Rio Grande do Sul–
VENTURELLI  Isolde Helena Brans  - INCONFIDENTES e as ARTES PLÀSTICAS
MUNDO JURÍDICO BRASILEIRO 2015
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=7119

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Referências para Círio SIMON








domingo, 12 de abril de 2015

117 – NÃO FOI NO GRITO.

O MUNDO em ABRIL de 1815 e 2015
Um REI como SÍMBOLO
“Com as baionetas pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre suas pontas. Charles Maurice de TALLEYRAND-PERIGORD para Napoleão Bonaparte
Luis_XVIII por François Gerarad
Fig. 01 – Luís XVIII da França assumiu este título em honra do seu sobrinho, Luís XVII, que não pode exercer o cargo.  Luís XVII era filho do irmão Luís XVIII,  Luís XVI e guilhotinado em 1783.  Luís XVII morreu na prisão em circunstâncias misteriosas. Porém Luís XVIII exerceu este cargo sem as funções que seu irmão exercera e já renunciara antes de ser guilhotinado passando a denominar-se Luís Capeto.

O Luís XVIII governou após a Revolução Francesa e Napoleão Bonaparte. Era o retorno da monarquia na França, porém sem o caráter dos “Reis Taumaturgos”. Chefe simbólico de um Estado no qual os monarquistas perdiam cada vez mais espaço e apoio. Monarquistas que necessitavam buscar apoios em outras monarquias de além-fronteiras que se estavam se reagrupando e impondo a lógica que lhes era favorável e dos restos do “Ancién Regime”. 
Execução de LUIS XVI em 21.01.1793 gravura de HEHMAN 1743-1806 água-forte de DOCLOS 1742-1795 ilustração de Charles MONET 1732-180..
Fig. 02 – Luís XVI foi guilhotinado em 1783 enquanto Luís XVII não pode exercer o cargo, pois  morreu na prisão em circunstâncias misteriosas. Assim Luís XVIII da França assumiu este título em honra do seu sobrinho e filho de seu irmão.   Porem o reino de Luís XVIII foi cheio de sobressaltos e altamente patrulhado polítuca, econômica e socialmente patrulhado pelos monarquistas que temiam também pelas suas cabeças, fortunas e títulos nobiliárquicos hereditários.

Estavam muito vivas na memória as narrativas relativas um Luís XVI guilhotinado publicamente e de um Luís XVII ao morrer secretamente na masmorra sem jamais poder governar. Assim depois da grande Revolução um rei francês ao se dispor a governar podia retomar o cargo e o trono. Porém as suas funções são determinados por um contrato constitucional onde as suas funções eram previstas e meramente simbólicas. ´
 Um precioso índice do novo tempo foi derrocada do regime  do Rei Luís XVIII e a sua fuga, em março e abril de 1815 diante do retorno pelas armas de Napoleão Bonaparte. Tempo que exigia atenção redobrada para a magnitude das forças em jogo e a velocidade das mudanças políticas, sociais e econômicas.  Tempos que se seguiram à Revolução Francesa de 1789. Tempo da era industrial que impunha à Europa um estado crítico permanente expresso em crises sem fim. 
Fig. 03 – Napoleão Bonaparte irrompeu no meio da confusão e dos choques das facções que se digladiavam entre si e condenava os desafetos do partido à guilhotina depois de sucessivamente se apropriarem do comando do poder estatal da França. Com o apoio de um exército profissional e de cidadãos voluntários lançou para além das fronteiras onde o esperavam os seduzidos pelo Iluminismo, pela Razão e especialmente industriais  disposto a conquistas de novas fronteiras para os seus produtos.

 As esperanças e as certezas presumidas de um regime descaído mobilizam e usam todos os instrumentos simbólicos e físicos em vão. Por mais que este espere pelos “santíssimos juramentos” esses apenas estão mitificados na mente daquele que se quer manter no PODER ABSOLUTO e MONOCRÁTICO 
Louis_XVIII_sustentando a_França  por CREPIN Louis-Philipe
Fig. 04 – Luís XVIII da França foi representado, em 1814, pelos monarquistas como salvador da França. Porém a sua mitificação do trono e da coroa durou pouco. Em Março de 1815 Napoleão desfez esta mitificação. Luís XVIII não pode efetivar as esperanças e as promessas implícitas no gesto do monarquista que lhe entregaram o cetro, a coroa e o trono. Faltava a deliberação e a decisão do povo francês e especialmente a circulação e renovação do PODER ORIGINÁRIO em todas as competências do corpo da nação.

O texto a seguir é uma prova desta falácia mental e física e mostra o poder de sedução sobre massas acostumadas com o Ancien Regime. Não havendo ainda fotografia não custava aos editores destas narrativas acrescentar “as aclamações populares”. Este povo mal informado e sendo arrastado por uma ou outra corrente sempre foi o marisco entre rocha da realidade as vagas dos panfletários, atravessadores e tuteladores de um ou outro fetiche político.

CORREIO BRAZILIENSE  DE ABRIL, 1815.
VOL. XIV. No. 83. Vol. 3 – pp. 525 até 535 Miscellanea

NARRAÇÃO.
Dos acontecimentos desde o desembarque de Buonaparte até a partida de Sua Magestade Christianissima, Luiz XVIII. das terras de França.
(Esta Narração se publicou como authentica da parte do Rey da França.)

Uma catastrophe igualmente desastrosa e inexperada encheo a Europa do maior espanto. Um Rey, que estava rodeado pela confiança e amor do seo povo, foi compelido a abandonar a sua capital, e, logo depois, se os estados, que haviam sido invadidos por aquelle homem, cujo nome so traz á memória calamidades c crimes : e a França, do estado de profunda paz e progressiva prosperidade a que fora restaurada, vio-se em menos de tres semanas outra vez mergulhada naquelle abysmo de males, que pensava haverem-se terminado para sempre. He importante fazer saber por que progresso de causas irresistíveis pôde a traição, em taes circunstancias, encadear a força publica, e a vontade nacional.
AS RELAÇÕES num ESTADO ABSOLUTISTA
Fig. 05 – O poder monárquico, centralista e absolutista - imaginado com o retorno dos Bourbons na pessoa de Luís XVIII da França – não se efetivou.  A era Industrial não incluía e não podia aceitar este paradigma no seiprojeto de inovação, circulação e num sistema que funciona com uma entrada, um desenvolvimento e saída impessoais e controle objetivo de resultados onde imperava a “mais valia

No dia 5 de Março recebeo o Rey informação por um officio telegraphico[1] do desembarque de Buonaparte no território Francez, á testa de 1100 homens. Esta empresa devia considerar-se em dous pontos de vista differentes : ou era o resultado de uma conspiração, apoiada por extensas communicaçoens, ou um passo de um homem louco, cuja ambição e violência de caracter o naõ deixavam suportar por mais tempo um retiro, que lhe excitava apenas, agitaçoens e remorsos. Em ambas as supposiçoens era necessário adoptar todas as medidas, que a prudência aconselhava, e que a presença do perigo mais eminente haveriam dictado. Naõ se desprezou precaução alguma.



[1] Ver o  TELÉGRAFO ÒTICO de CLAUDE CHAPPE em  http://pt.wikipedia.org/wiki/Claude_Chappe


Fig. 06 – O Tratado de Paris 1814  reconduzia a França aos seus limites do ano de 1792. Tratado imposto pelos vencedores de Napoleão que esteve presente a este contrato e em consequência do qual ele perdia o seu trono, coroa e funções e se retirava para a ilha Elba entre a Córsega francesa e costa da Toscano italiana

Expediram-se ordens com a maior diligencia para se ajunctarem tropas em Lyons ; receberam-se boas noticias do Commandante de Grenoble ; e o comportamento da guarnição de Antibes deo motivo para conjecturar-se, que Bonaparte se enganara em sua esperança de se lhe reunirem as tropas do Rey. Se elle porem, tivesse formado algumas communicaçoens, era de esperar-se, que estas favorecem seos primeiros progressos : entretanto esperava-se que em todo caso um corpo, que fôra postado em Lyons, o fizesse parar. Monsieur partio na dia 6 para ir comandar aquelle corpo, e íòi seguido no dia seguinte pelo Duque de Orleans.

Fig. 07 – A ilha Elba entre a Córsega francesa e a costa italiana pertence ao Arquipélago da Toscana. No seu  exilio o Imperador estava ciente da continuação das divisões internas da França e que repicavam as causas que o levaram ao poder para encerrar, pelas armas, o ciclo revolucionário mais agudo  Porém  o militarismo  tinha os seus limites. O ministro do exterior da França - Charles Maurice de TALLEYRAND-PERIGORD -  havia exposto para Napoleão Bonaparte, em várias ocasiões, "com as baionetas pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre suas pontas"[1]

Todos os Marechaes e Generaes, empregados nos departamentos, receberam ordem para marcharem para seos respectivos commandos, e partiram immediatamente.
O Marechal Ney, que commandava em Besançon, e que pudera efficazmente ajudar as operaçoens de Monsieur, despedio-se do Rey, e a o beijar a maõ de S. M. disse com um tom de affecto e energia, que parecia proceder da franqueza de um soldado, que " se elle pudesse colher ás maõs, o inimigo do Rey e da França, havia de trazello prezo em uma gaiolla de ferro." O resultado, depois, mostrou a vil dissimulação que o inspirava; por este modo se patenteou o projecto de um traidor, que todo soldado na Europa ha de ouvir com horror.
Monsieur foi recebido em Lyons com enthusiasmo; tudo estava preparado para a resistencia mais vigorosa; porem, infelizmente naõ se podiam achar muniçoens.
Soube-se logo que a guarniçaõ de Grenoble linha aberto as portas ao inimigo, e que um regimento, que partira de Chambery, debaixo do commando de Mr. de La Bidoyere, tinha-se unido aos rebeldes ; apenas um pequeno numero de tropas havia ainda chegado a Lyons; porem Monsieur, a quem o Marechal Macdonald se havia ajunctado com muito ardor, naõ hesitou em determinar manter-se dentro das obras, que se haviam construído á pressa. Com tudo, ao aproximarem-se os primeiros dragoens, que precediam Bonaparte, manifestou-se uma grande indisposição em as tropas de Monsieur. Todas as exhortaçoens do Duque  de Tarentum foram em vaó ; e entaõ da mesma sorte que ao depois, as forças ajunctadas para oppor á torrente, so serviram para a fazer crescer e augmentar sua violência.
RYS Bellanger  Napoleão sai de Elba
Fig. 08 – No final do inverno de 1815 Napoleão evadiu-se da ilha Elba e teve um encontro  corajoso e destemido com seu antigo exército enviado para recapturá-lo e  o conduzir de volta ao seu confinamento e exílio  Para a surpresa e a confusão dos monarquistas e leais a Luís XVIII da França estes militares engrossavam de cidade em cidade o cortejo de Napoleão rumo a Paris

No dia 10 soube-se, por um officio telegraphico, e conseguiníemente sem particularidades, que Bonaparte havia entrado em Lyons naquelle dia. A volta do Duque de Orleans, que chegou a Paris no dia 12, e a de Monsieur, foram brevemente seguidas por noticias, que levaram o temor ao maior ponto, que tam rápida continuação de desastres naõ podia deixar de produzir.
No meio tempo, a opinião, agitada pelo temor e desconfiança procurava descobrir em mais do que na fatal ascendência de um homem detestado, a causa de seos deploráveis progressos. Ninguém podia crer, que a mera seducçaõ de sua presença pudesse produzir similhante efeito nas tropas. O Marechal Duque de Dalmacia, Ministro da Guerra, fôra o ultimo em França, que sustentara por força de armas a já perdida causa de Napoleaõ. Alguns queriam inferir desta passada mostra de apego, uma prova de traição. Levantou-se a voz publica contra o Marechal, e elle mesmo veio, e entregou nas maõs do Rey a sua resignação e a sua espada. S. M. com aquella confiança que nunca o abandonou, mandou vir á suia presença o Duque de Feltre, a quem a estimação publica apontava para sua escolha, e entregou-lhe a pasta da Repartição da Guerra, de que estivera encarregado por Bonaparte ate o tempo da restauração. Esta determinação do Rey foi plenamente justificada pela fidelidade do Duque de Feltre.
Já a este tempo se naõ podia adoptar outra medida senaõ fazer recuar as tropas, porquanto, avançar contra o inimigo era o mesmo que fornecer-lhe auxiliares. Conveio- se em formar um corpo de exercito em frente de Paris ajunctando-se o maior numero, que se pudesse, de Guardas Nacionaes, e voluntários. Desde o dia 11, fôra o Duque de Berry nomeado General deste exercito. Logo que chegou o Marechal Macdonald foi encarregado do comando debaixo do Principe.
Comtudo as ordens repetidas para a organização dos voluntários e das columnas ambulantes das Guardas Nacionaes, naõ podiam chegar aos seos destinos, nem ser postas em execução sem passarem alguns dias, quando por outra parte, cada momento trazia com sigo perigos. Bonaparte marchava com uma rapidez, de que elle bem conhecia a vantagem ; e vários regimentos, que inevitavelmente se achavam juncto á linha de sua marcha, uniram-se a elle : até alguns tomaram em seo nome algumas terras de Borgonha; e dous delles avançaram ate Auxerre.
Naõ obstante havia ainda alguma esperança de fazer conter em seo dever as tropas da primeira divisão militar, e as que formavam a guarniçaõ de Paris. Um perigo eminente, que o comportamento do Commandante de La Fere havia desviado, e a prizaõ dos traidores D'Elon e Lallemands, offerecia alguma segurança, sobre o que se poderia esperar que acontecesse nos departamentos do Norte. O Duque de Regio, posto que fosse abandonado pelas Guardas, Antigas, pôde fazer conter em seo dever as outras tropas que commandava. Resolveo-se formar um exercito de reserva era Peronne, aonde as tropas, estando concentradas, haviam de estar menos expostas a ser seduzidas, e onde haviam de estar debaixo da observação do Duque de Treviso, a quem o commando deste exercito fôra dado. Pouco depoia partio para là o Duque de Orleans.
O Rey inteiramente convenoido da grandeza do perigo existente, e naõ menos sciente das muitas obrigaçoens, que lhe impunham as circumstancias, era que se achava, apparecêo no meio dos representantes da naçaõ, dos quaes desejou estar rodeado, assim que o perigo commeçâra a deixar-se ver. A sua falia ás duas Cameras, fez a maior impressão na capital, da qual os habitantes manifestaram um unanime sentimento de affeiçaõ ao seo Rey e á pátria.
- Charles - Barão  von STEUBEN Napoleão sai de Elba
Fig. 09 – Napoleão realizou a sua jornada da ilha do Elba em direção a Paris em Março de 1815. no caminho ia colhendo a lealdade doseu antigo exército do qual já se havia despedido Enquanto isso Luís XVIII ia em direção a novo exílio  acompanhado pelos monarquistas mais fieis.

Porem a Guarda Nacional, composta em grande parte de cbefes de familia, naõ podia fornecer sufficiente numero de voluntários, que desse alguma esperança de resistência: e o Conde Dessoies que commandava a Guarda, explicou-se neste respeito por maneira, que excluía toda idea de se fazer mais do que, misturar os cidadãos com as tropas de linha, em modo tal, que se pudesse esperar conter estes era seo dever. Todo outro plano de defeza era impracticavel. Desta sorte estava o Governo reduzido a olhar como principal meio de resistência, tropas, cuja fidelidade, mais do que duvidosa, havia de ser confirmada somente por um pequeno numero de corajosos e fieis voluntários, e quem se havia de unir a cavallaria da Casa do Rey.
No dia 17, uma noticia desastrosa tornou ainda menos certa a conta que se fazia com estes preparos. O Marechal Ney, que se pensava que ia no perseguimento dos rebeldes, havia-se unido a elles, e havia publicado uma proclamaçaõ, calculada para promover ainda mais a revolta. Estas noticias espalharam o terror pelos departamentos mais próximos á capital. A cidade de Sens, que se esperava que demorasse o progresso de Napoleaõ, declarou-se incapaz de fazer resistência alguma. O inimigo estava a ponto de chegar a Fontainbleau, e as tropas em Paris, com quem se tinham esgotado todos os meios de excitar o seu patriotismo, permaneciam caladas, ou deixavam conhecer o desejo, que tinham, de abandonar suas bandeiras.
Fig. 10 – O Marechal Ney aderira ao governo de Luís XVIII da França comandava o exército em Besançon. Visitou o rei e lhe jurou fidelidade. Porém foi surpreendido pelos colegas de armas e se juntou a eles para receber e entronar o seu antigo Imperador. Mais do que isto dirigiu uma proclamação impressa a favor e exaltando Napoleão L Porém muito mais do que uma mensagem pessoal tinha o pesso das opiniões do exército e de uma expressiva população que não viam com bons olhos o que estava acontendo sob o regime recém-instalado de Luís XVIII, de retorno ao trono mas sem exercer as funções seu cargo entregues aos monarquistas.

Apenas haviam ellas commeçado a marchar para o logar de reunião, que lhes fora assignado, logo aquellas más disposiçoens degeneraram em manifesta sediçaõ. Na manhã do dia 19, soube-se que naõ havia, nas vizinhanças de Paris, um so regimento que naõ estivesse inficionado com esta contagiosa deslealdade, e o único partido, que ficava ao Rey, era retirar-se com as tropas de sua casa, o único corpo em que já entaõ podia fiar-se. S. M., que tinba enviado o Duque de Bourbon para os Departamentos Occidentaes, e transmittido ao Duque de Angouleme os poderes necessários para armar as Províncias do Sul, julgou acertado ir elle preferivelmente para os Departamentos do Norte, e fazer por preservar as fortalezas naquela parte, e fazer servir estas praças-fortes de ponto de apoio, para alguns ajunctamentos de fieis vassallos, que pudessem formar-se ali. O Rey sahio de Paris no dia 19, pela meia noite, e foi seguido uma hora depois pelas tropas de sua casa, conduzidas por Monsieur, e pelo Duque de Berry.
No dia 20, pelas cinco da manhaã, chegou o Rey a Abbeville, aonde se demorou o dia seguinte, á espera das tropas de sua casa ; porem o Marechal Macdonald, que foi ter com o Rey no dia 21, pelo meio dia, provou-lhe a necessidade que havia de ir para mais longe, e em consequência do que elle lhe disse, resolveo S. M. fechar-se em Lille, c mandou ordem ás tropas de sua casa para que marchassem para lá pela estrada de Amiens.
No dia 29 pela uma hora da tarde, entrou o Rey em Lille precedido pelo Duque de Tarentum, e foi ali recebido pelos habitantes com grandíssimas demonstraçoens de affecto e lealdade. O Duque de Orleans, e o Duque de Treviso, tinham chegado a Lille antes do Rey, este, porem, julgou acertado tornar a chamar a guarniçaõ. Esta ultima circumstancia, de que o Rey naõ fora sabedor, fez desconcertar o plano de resistência, que se havia adoptado. A naÕ se chamarem aquellas tropas para dentro, as guardas nacionaes, e as tropas da casa, ajudadas pelo patriotismo do povo de Lille, puderam ter assegurado para o Rey aquelle ultimo asylo no território Francez. Com uma guarniçaõ numerosa e indisposta, pareceo este projecto mui difficultoso de executar. Com tudo, S. M. persistio em fazer a experiência. Sua presença havia já levantado o enthusiasmo do povo ao seu mais alto grão.
Fig. 11 – A caricatura representa  Napoleão retirando e substituindo Luís XVIII da França no meio de jogo e de troca de cartas com os seus pares imperadores ao modelo do que estava acontecendo no Congresso em Viena. Luís XVIII  retornar ao trono, ao cargo e coroa depois dos 100 dias mas sem exerceu  as funções á maneira do seus antepassados

Uma multidão cheia de zelo acompanhava-o a cada passo, fazendo quanto era possivel porinteressar os soldados, e repetindo constantemente a agradável acclamaçaõ de Viva o Rey ! Porem as tropas, reservadas e frias, mantinham um sombrio silencio, terrível presagio de sua próxima rebelião. Em fim, o Marechal Morlier declarou ao Rey, que naõ podia responder pela guarniçaõ. Sendo perguntado a final, que expediente seria possível adoptar, também declarou, que naõ estava em seu poder fazer sahir as tropas da fortaleza.
No meio tempo chegou a Lille a declaração promulgada em Vienna no dia 13 de Março, em nome de todas as Potências Europeas junctas cm Congresso. O Rey fêlla distribuir e aíhxar immediatamente, desejando, mas em vaõ, fazer conhecer ás tropas as terríveis consequências, que haviam de seguir-se a sua traição, e os inevitáveis infortúnios, que ella traria á sua pátria.
No dia 23 soube S. M. que o Duque de Bassano, nomeado Ministro do Interior, mandara ordens ao Prefeito de Lille em nome de Buonaparte. No mesmo dia, o. Marechal Mortier expoz ao Ministro da Casa do Rey, que, em consequência da noticiado Duque de Berry estar para chegar com as tropas da Casa, e com dous regimentos Suissos, toda a guarniçaõ eslava para rebelar-se; que conjurava o Rey para que sahisse da praça, em ordem a evitar a maior das desgraças; que indo elle mesmo escoltar S. M. até as portas da cidade, ainda esperava, que as tropas contivessem o respeito, porem que se a partida se demorasse mais um momento, entaõ já naõ seria possivel.
O Rey julgou entaõ necessário mandar ir as tropas de sua casa para Dunkirk; porem a ordem desgraçadamente naõ lhes foi entregue. Quanto a elle, como naõ podia ir em direitura para aquella cidade, partio para Ostend.  S. M. sahio de Lille ás tres horas, acompanhado pelo Marechal Mortier, e seguido pelo Duque de Orleans. Quando chegaram ao fim da esplanada, o Duque de Treviso assentou, que devia voltar para traz, para prevenir a desordem, que era provável que se excitasse na guarniçaõ, durante sua ausência. O Duque de Orleans voltou também com elle para a fortaleza, e naõ a deixou senaõ algumas horas depois. O Marechal Macdonald naõ se separou do Rey até chegarem ás portas de Mening; e até o ultimo momento, elle e o Duque de Treviso, deram a S.M. consoladoras provas, de que a sanctidade dos juramentos, e a fé dos homens de honra naõ saõ desprezadas por todos os corajosos soldados, de que se gloria o exercito Francez. Um piquelte das Guardas Nacionaes de Lille, e um destacamento de Courasseiros Reaes e Caçadores, seguiram S. M. até as fronteiras. Alguns destes últimos, assim como vários officiaes naÕ queriam abandonallo, e acompanharam-o até a demarcação do Belgio. O Rey checou a Ostendc com tençaõ de proseguir para Dunkirk, quando aquella terra fosse occupada pelas tropas da casa.
Fig. 12 – -Charles Maurice de TALLEYRAND-PERIGORD, o ministro do exterior de Napoleão, foi percebido como alguém que fez jogo duplo ou triplo  dado vivas ao imperador  Napoleão, depois a Luís XVIII da França sem esquecer do seu papel entre os demais potentados europeus de sua época. O arista deste retrato captou a frieza do seu olhar frontal a alma de alguém capaz de se mover entre as mais diversas contradições e tempestades de toda ordem

No meio tempo aquella infeliz* tropa, a que se havia arande numero de voluntários de todas as ajunetado uniidades e condiçoens, seguia o mesmo caminho que o Rey levara para Lille. Monsieur, e o Duque de Berry, sempre á frente, e sempre tendo quinhão nas fadigas deste esforçado bando escolhido, teve occasiaõ de admirar a heróica firmeza das tropas que o compunham. Moços, que pela primeira vez carregavam seus braços com uma arma, homens idosos fazendo marchas forçadas a pé, por estradas, que grossas e continuas chuvas haviam tornado quasi impassaveis, tinham.se associado com estas fieis tropas, e nunca desanimaram com as privaçoens que soffêram, nem com a incerteza inda mais penosa de uma marcha, que dependia toda de avisos, que, pela rebelião das guarniçoens vizinhas, pudera vir a ser mui desastrada.
A columna, na falta de ordens, que o Rey naÕ tinha podido transmittir-lhe. e sendo informada de que o Rey tinha sahido de Lille, proseguio em direitura para a fronteira ; porem naõ podendo desfilar com promptidaõ suficiente para accompanhar em um corpo, o Marechal Marmont, que commandava debaixo das ordens do Principe, com zelo e actividade dignos de melhor ventura, tendo dado em um atoleiro donde os cavallos custaram muito a tirar, uma parte desta gente infeliz foi obrigada a ficar a traz; e Monsieur, temendo que a sua fidelidade lhes fizesse encontrar perigos inúteis, deo-lhes autoridade para se retirarem. Porem sendo pouco depois surprendidos, em Bethune, por ordens de Paris, naõ tiveram tempo todos para se dispersar, e Monsieur só pôde esperar ajunctar alguns á roda de si, uns após outros, e aquelles que elle puder ajunctar sobre as fronteiras, aonde fica para esse fim.
Foi no dia 25, pelas oito da tarde, que o Rey soube da chegada de Monsieur a Ypres, e que a noticia da sorte que tiveram as tropas de sua casa, veio augmentar o pezo das afllicçoens que tinha a supportar.
No meio destes desastres S. M. recebeo luzidas provas de fidelidade ; porem estas, em certo modo, servem ainda de agravar a sua pena. Teve de deixar um povo bom e amável preza de todos os excessos de uma soldadesca mal encaminhada—ba entre elles creados valentes e zelosos, que naõ pode ajunctar a roda de si—chefes da maior distinção patentearam rasgos de inabalada constância, e aos quaes naÕ pode offerecer outra recompensa mais do que a estima e louvor, que a França c a posteridade lhes tributarão algum dia.
Entre as lembranças mui profundamente gravadas no coração do Rey para que já mais possam ser apagadas, entre os honrados sentimentos, de que recebeo mais sensíveis provas, põem em primeira ordem, as que provêm do comportamento do Marechal Mortier.
Fig. 13 – A restauração dos BOURBONS na França com Luís XVIII da França representa a reação monarquista. Luís XVIII foi representado, em 1819,  como o salvador da França e o “DESEJADO” .  Evidente não se diz ou escreve QUEM o “DESEJAVA”.  .O retorno dos derrotados pela Revolução Francesa e pelo regime napoleônico  Luís XVIII, ao retornar ao trono depois dos 100 dias exerceu seu cargo sem as funções

Depois da chegada de S. M. a Ostend, soube do Duque de Orleans, que chegara ao Marechal uma ordem para o prender e a todos os Principes. Um official do estadomaior, portador de um officio do Marechal Davoust, contendo a mesma ordem, chegou depois a Lille. O Rey havia entaõ sahido da praça, e o Duque de Treviso, arranjou as coizas por maneira, que nada transpirou sobre aquelle objecto, até a partida do Duque de Orleans.
Esta suecincta relação das coizas principaes, que occurrêram no curto e desastrado periodo, cuja pintura acaba de ser traçada, pode dar uma idea das repentinas e inumeráveis difficuldades, de que o Rey se vio rodeado. Nunca acontecimento mudou a face de uma grande monarchia mais inesperada e rapidamente: porem nunca se vio também maior opposiçaõ entre o espirito dos soldados, e dos cidadãos, paralysar mais completamente o patriotismo enfraquecer a authoridade, e revestir de um terror maciço o homem, que apparecendo quasi só no território Francez teve, dentro de dous dias, á sua disposição, uma forca numerosa armada contra o povo sem defeza.
Para concluirmos; a rebelião simultânea e geral do exercito naõ foi, como se tem pertendido, fundada em algum motivo capaz de o unir, por tempo mui considerável, á sorte do homem, que ha reassumido sobre elle tam fatal ascendência. O compacto tácito, que elle tem feito com o exercito, bem depressa será quebrado, pelos revezes que o esperam. Naõ he Buonaparte proscripto, rejeitado e a ponto de ser esmagado pela indignação da Europa, quem esta crédula soldadesca deseja seguir. Voltam os olhos para o destruidor do mundo, que vem prompto a entregar-lhes os despojos. Porem dissipada a illusaõ, cedo verá Buonaparte a sua força adventicia. O Rey esperava por aquelle periodo de reflexão, que se segue á embriaguez de um grande erro—espera por elle com uma impaciência, correspondente ao feliz resultado, que ele anticipa.

Estes textos e narrativas não pararam em se sofisticar com o correr do tempo. Uma prova desta falácia mental e física é mostrada pelo  poder de sedução sobre massas acostumadas  tantos no meio do o Ancien Regime como na atualidade. Na atualidade apenas  aumentar em número. Multiplicara-se ao aproveitaram o acumulado das experiências do marketing político. Em abril de 2015 textos e narrativas estão presentes na edições e veiculações dos meios de comunicação eletrônica e nas redes sociais acrescidas de imagens sedutoras ou horrendas .  
Fig. 14 – Luís XVIII da França ostentou uma elaborada e emblemática heráldica ao gosto dos sonhos românticos em voga neste tempo. Porém esta mitificação romântica associada ao cultivo do EGO singular e onipotente não correspondia a lógica industrial e as novas formas sociais, políticas e econômicas de uma Europa em convulsões e espasmos delirantes das novas máquinas e da sua produção e circulação de valores e poder. Em contrapartida essa heráldica possui a dar marketing e era usada em produtos industriais. No consumo o povo  era seduzido a sentir-se como rei.

Dom João VI se viu na contingência de jurar um contrato constitucional enquanto estava refugiado no Brasil. Preservou o seu cargo, sua coroa e o seu trono. Porém suas funções mudaram radicalmente na medida em que determinadas e estabelecidas pelo contrato público da constituição. Em geral grandes e profundas mudanças são pouco sentidas.
De outra parte Napoleão - como todos aqueles que confiaram o seu destino as baionetas   teve do ouvir de seu próprio ministro Talleyrand que
“diz ao Imperador que; "Com as baionetas pode-se fazer tudo, menos sentar-se sobre elas" referindo-se que nenhum regime sustenta-se só pela força, acrescenta que o poder é menos uma questão de punhos e mais uma questão de nádegas[1].
Passada a euforia sanguinário do regime militar comandado por Napoleão, o envelhecido e desgastado Luís XVIII voltou ao trono francês no qual permaneceu até a sua morte. Porém deste tempo de indefinições brotaram as sementes que preparam as Revoluções de Paris dos anos de 1830 e de 1848.
FRANÇA constituição de 22.08. 1795 Deveres do Homem e do Cidadão
Fig. 15 – A França sacudida pela sua Grande Revolução, o apelo tempestuosos dia de Napoleão Bonaparte e pelo encurralado Luís XVIII legou ao mundo as tábuas de um contrato e de pacto de Nação. Na essência a era industrial se atravessou no seu caminho e vinha questionar a criatura humana e seus hábitos de misturar o seu EGO com o Estado, as fábricas e as instituições. Este EU sentiu na carne, na sua  vontade e na sua inteligência esta ruptura. Na Arte protestou, gemeu e produziu obras que contestam esta dura verdade. O Romantismo expressou esta mudança e materializou esta perda irredutível na Literatura, na Música, na Pintura e na Arquitetura. A criatura humana voltou a senhar como dono de castelos, construindo catedrais

A distância do Brasil centro da tormenta favoreceu uma passagem temperada pelo tempo e um povo que esteve pouco envolvido com as intrigas de cortesões.
O Brasil  recolheu, em 1816, os artistas náufragos do Regime Napoleônico enquanto o imperador estava cumprindo a sua pena numa ilha solitária do Atlântico Sul. Dom Pedro I irá o título de Imperador e não o de Rei como seu pai. Os prédios públicos imperiais brasileiros irão adotar a severa tendência da tipologia neoclássica da Missão Artística Francesa.
Claude_Nicolas_Ledoux_saline_royale_dArc-et-Senans
Fig. 16 –  A França estava envolvida profundamente na lógica da Era Industrial a partir das teses do Iluminismo e da lições da Enciclopédias Francesa.  As narrativas históricas buscam colocar para o primeiro plano os barulhentos episódios políticos e militares deixando de lado os silenciosos movimentes econômicos, técnicos e científicos que subjazem as gritos e aos tumultos revolucionários de superfície.   O arquiteto LEDOUX colocou no papel e na prática a criação (1775-1779)  de prédios industriais e residenciais da  salina real em Arc-et-Senans Doubsno meio da campanha francesa. Neste ambiente  o operário tinha seu quintal onde poderia fazer a transição entre a era agrícola e industrial. Podia sentir-se, ao mesmo tempo, no ambiente urbano e a mesmo tempo manter os se hábitos rurais. Com o seu trabalho dignificado, com a sua voz respeitada podia dispensar politicamente o trono e a coroa de um EGO real ou imperial.
Neste sentido a Missão Artística Francesa era formada por mais técnicos e artesões do que artistas de atelier e de salão. Se estes artesões e técnicos pouco puderam realizar deve-se ao atraso industrial brasileiro. Indústria que fora inteiramente banida do Brasil pelo infeliz alvará da Rainha Dona Maria I de 1785[1]. O lusitano  como inglês criavam outra forma de dependência colonial. Geravam um mercado cativo perpétuo e com dívidas perpétuas. Ao mesmo tempo  esvaziavam qualquer possibilidade a que o Brasil tivesse alguma voz e vez no cenário mundial dominado pelas economias hegemônicas.

FONTES NUMÉRICAS DIGITAIS.
Abril de 1815
CORREIO BRAZILIENSE de abril de 1815

LEDOUX, Claude Nicolas (1736-1806):

Arquiteto francês visionário da 1ª era industrial

LUÍS XVI da França ou Luís Capeto

LUÍS XVII da França

LUÍS XVIII da França

NAPOLEÃO sai de ELBA

O TELÉGRAFO ÒTICO de CLAUDE CHAPPE

Os 100 dias de Napoleão

PROCLAMAÇÂO de NEY - Março de 1815

REAÇÂO à AÇÂO do IMPERIALISMO em abril de 2015

TALLEYRAND-PERIGOR  Charles Maurice de (1754-1838)



[1] Alvará de Dona Maria  I de 1785 que proíbe a indústria no Brasil:

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Referências para Círio SIMON